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domingo, 23 de maio de 2010

las Chicas y otras mumunhas

Na última terça, 18, fui tocar com o Harmonia Enlouquece (para quem ainda não conhece harmoniaenlouquece.com.br) na cosmopolita Cinelândia. Palco de madeira nem tão espaçoso, mas com uma localização generosíssima: por detrás o recém-re-inaugurado Theatro Municipal, deslumbrante, tinindo, águia mais dourada que nunca.

Não sei se é boato, mas alguns vereadores ali ao lado, na Câmara, cogitaram fundir algumas gramas, através de amplas gorjetas para o pessoal da manutenção do teatro subir à cúpula e raspar com espátulas as graminhas de ouro. O intuito seria evitar muitas flutuações nos investimentos parlamentares durante a quebradeira grega. Com a insegurança pairando, todos se voltaram para o nobre metal, velha história do filho treloso: papai-Estado, mamãe-Ouro.

À hora de minha chegada, em vez de vereador, faixas sobre aposentadorias, Petrobrás e reajustes salariais decoravam as escadas do legislativo municipal. Na praça, samba, fantasia, mãos dadas, um colorido. 18 de maio é o dia internacional da luta antimanicomial, o nome da festa era “Festa do Orgulho Louco – Intervenção Cultural”. A farra já havia se estabelecido e eu com cara de bobo feliz, vindo do trabalho, saquei minha modesta Sony Cyber-shot DSC-S730 e me dei a filmar para todos os lados.

Ando captando cenas para serem aproveitadas no making off do DVD do nosso terceiro disco “Mudânica Superativa”, que deverá ser gravado ainda neste segundo semestre. Já tenho alguns gigabytes em mãos, sendo que, paralelo a isso, acabei sendo infectado por uma nova obsessão: filmar bobagens. Dia desses estava resolvendo coisas chatas no Centro do Rio e fui me dar de presente um passeio no Campo de Santana. Em poucos passos para além do portão, o deslumbre já havia pousado sobre a minha cabeça: uma porção de pequeninos mamíferos rechonchudos e marrons se espalhavam tanto pela pista de cooper quanto por dentro da mata sem nenhum medo dos meus passos. Primeira e única vez nesse parque, novamente me sentindo turista na cidade onde moro há dois anos, dois meses e oito dias. As centenárvores, pedras molhadas da Mata Atlântica, o verde-escuro, um clima de potência, sabedoria, divindades.

Infelizmente mal-cuidado, mas não quero falar de coisas chatas. Quando... no agito dos trabalhadores, que atalham caminho pelo parque, no sentido do Saara, a meca do camelô carioca, os gansos (falei gansos, sem Neymar). Todos conversando (qüê, qüá), tomando café da manhã num pedaço de verde e aproveitando o morno sol da manhãzinha. Saquei a câmera com tanta volúpia que alguns estranharam, todavia interessante que nenhum Neymar, que dizer, ganso desconfiara da massa de gente falante, que rumava ao Saara.

Pensei num plano: vou fingir que sou camelô e virei andando dali da frente com a câmera ligada. Deu certo: me camuflei de camelô e quando parei para apreciar melhor o quadro que parecia ter sido pintado por Manet, fingi estar olhando para o outro lado. Talvez ganhe o Nobel da Paz: uma cena bucólica de uma família de gansos na faixa de Gaza entre a Central do Brasil e o Saara.

Mas como é útil o gênero crônica para os mais dispersos... recomendo fortemente...

18 de maio nossa banda era a penúltima a tocar. O gran finale estava reservado para as Chicas. Confesso que até então já havia lido anúncio de show dessas meninas, cheguei até a confundir: “deve ser aquela banda de mulheres que cantam Chico e que pode ter mudado de nome...”. Após o nosso show, fiquei para ver qual era. Qual era, não: qual é.

No segundo número já estava decara. Uma atitude e um respeito ao palco que há muito não via em bandas da minha geração, um cuidado, uma beleza, uma felicidade. Bateu. Ah como é bom conhecer uma coisa nova que bate, bum, naquele instante... E nem é tão nova assim, as Chicas parecem estar juntas desde 1996.

São 4 lindas mulheres, digo lindas porque, além de tudo isso, não possuem a busca pela silhueta sagrada das passarelas, assumem-se como são e ficam fantásticas em palco. Acompanhadas de um percussionista que visivelmente ama o que faz, e que também é poeta e declamador, e um camarada das cordas (guitarra, viola, violão, alaúde – eu acho, sei lá, o escambau, muitas cordas) bastante competente.

As Chicas tocam, ao passar das canções, vários instrumentos – percussivos, de sopro, cordas, sanfonas. Além de todas também cantarem. Geralmente, por essa versatilidade e pelos arranjos bem cuidados, enfim, pela complexidade de detalhes, esperava que alguma das 4 fosse um pouco mais fraca no vocal. Bobinho... cada uma dali poderia ser cantora crooner e bastava. Abrilhantava outro fato: existe uma concepção cênica do espetáculo, um cuidado com a interpretação, outro fato raro.

Tocam Caetano (“Divino Maravilhoso”, “O quereres”), Gonzaguinha (“Geraldinos e Arquibaldos”, “Moleque”), Moraes Moreira (“Lindo Balão Azul”, do especial da Globo, “Pirlimpimpim”, que fez muito a minha cabeça aos 4 anos), Accioly Neto (“Espumas ao Vento”), Mc Bob Rum (“Rap do Silva”) e várias canções do próprio punho (“Tá na Cara” é bárbara). Confiram vídeos: http://letras.terra.com.br/chicas/.

Quando o show terminou, não me contive, confesso que chego até a pensar nesse momento, posso parecer chato e tal, mas quando bum-bate é mais forte: dei um papelzinho a uma delas prometendo que iria escrever uma crônica. Cheguei a conversar com o percussionista, ele usa uma técnica que eu ainda não conhecia: enquanto está na caixa, chimbal e pratos, usa uma alfaia como bumbo. Gente boa, falou ter conhecido bem o interior de Pernambuco quando por lá se embrenhou com uma trupe de teatro de rua.

Pronto, promessa cumprida. Boa viagem a todos.

Obs: postarei 2 vídeos (o meu com o Neymar) e outro da Baby como Emília e o Moraes Moreira como Visconde no Pirlimpimpim. Agora me caiu a ficha do porquê minha festinha temática dos 5 anos foi o Sítio...

sitio do picapau amarelo -Pirlimpimpim de 1982

gansos - meu nobel da paz

quarta-feira, 12 de maio de 2010

mestrandando


Recuo citação direta a 4 cm da margem esquerda, a mesma onde empurro início de parágrafo por 1,25 rumo à direita, desencostando-o do limite de 3. A distância entre linhas precisa obedecer 1,5 cm, abaixo e à direita, 2.
Dai-me régua para agüentar, ó Senhor.
Quebrei várias páginas no intuito de montar os papéis que me fragmentam. Descubro a referência do apud do apud do apud e percebo que as mais antigas raízes não passam de brotos de galhos verdes. Nem mesmo o Criador se absteve de referenciar (NADA, - æ, sem pg.).
Alimento meus parágrafos de frases inteligentes, muitas vezes repetitivas, me escondo por detrás de autores no esconde-esconde da imparcialidade. Não se enganem: todas as palavras possuem seus donos e ainda não proclamaram a República das Letras, onde os donos virariam representantes temporários.
Saúde, comunidade, hegemonia, comunicação, sociedade padecem em masmorras cientificamente construídas, razão por razão, referência por referência. Se não me engano nem liberdade escapou das algemas. Apenas uma delas pode ser vista tomando sorvete na esquina, à paisana, lambendo bola de chocolate. Possui o poder da onipresença, da infinita abstração de desviar dos chatos quando assim a apetece; a casa de máquinas dos sonhos, a fazedora de silêncios. Ela, a poesia.
Mas preciso mudar o número de folhas na ficha catalográfica e extirpar os sublinhados das referências eletrônicas.

sábado, 1 de maio de 2010

Dando corda na Grota


Num dia de sol fraco, do tipo esquenta mas não faz suar, enquanto descia uma ruela apertada de cimento bruto em busca da casa de um paciente a que iria realizar visita, ouvi um som completamente estranho em relação ao que eu poderia esperar estando eu onde estava. Era a Grota do Surucucu, uma comunidade pobre de Niterói, que fica por detrás de uma comunidade rica, São Francisco.
Um som agudo de instrumento perfumava o ar, não era de furadeira em parede, nem de espátula cortando tijolo à batida do martelo, eu disse perfumava. Som de música, de notas que se esticavam pela ruela de escadas mal acabadas, diferentes a cada lance em tamanho e altura, sem corrimão. Sabe quando você se depara com um sonho agradável e surreal em pleno asfalto da realidade crua? Um violino era executado e estudado em plena manhã de sol fraco na Grota do Surucucu.
Tive que gritar para a técnica de enfermagem e moradora da comunidade que ia adiante descendo o morro como se nada tivesse acontecido. Ah, doutor, são os meninos da Horta de D. Otávia.
Pelo que entendi, D. Otávia, já falecida e mãe de Márcio, foi uma pessoa bastante querida na Grota. Era dada a pensar o social e concretizar sonhos de transformação daquela realidade lascante em projetos palpáveis, cheirosos e sabidos. De início, ainda não sei o que havia feito possivelmente antes, construiu com as pessoas daquele local uma horta, uma horta comunitária, um pedaço de terra fértil onde todos dali são responsáveis por cuidar e plantar alface, espinafre, mamão, maracujá e outras delícias. Baseado num planejamento coletivo, os processos de produção de germinagem, cuidança do terreno, galhinhos e folhinhas e coleta das delícias eram orientados, decididos e pactuados pelas gentes. Uma atitude de fazer corar bochecha de grileiro e latifundiário. Uma terra que tem um dono, mas que seus frutos são compartilhados por todos.
Para não perder a pose de mestre em saúde coletiva, uma produção socialista que tem como conseqüências diretas a congregação de saberes e práticas de promoção à saúde, além de prevenção e tratamento de doenças na arte milenar de manipular as plantas para o fortalecimento da vida. Afinal de contas, vida reproduz vida e, como já dizia o profeta, gentileza gera gentileza.
Muito infelizmente a horta, pelo que eu saiba, não mais existe. Porém.... tchan, tchan, tchan, tchan! Hoje temos violinos, violas, contrabaixos, violoncelos, flautas e percussão perfumando o campo sonoro, compondo o espaço, nem sei se dialogando ou disputando com a batida do funkão-pornô, as pieguices do pagode, a apelação dos hinos evangélicos e a animação do axé. Bom, pelo visto dos adjetivos, deu pra perceber que só posso falar de mim, que carrego uma das máximas do meu pai adiante: essa estória de dizer que macaco gosta de banana é mentira...
Mas isso não é importante, o essencial mesmo dessa crônica é a Orquestra de Cordas da Grota, comandada pelo músico Márcio, aquele filho de D. Otávia... Uma Orquestra que me fez chorar no último 29 de abril, quinta passada sob a regência de Nayran Pessanha, ao executar o Divertimento em fá maior, do Mozart, e a Suíte “Mestre Vitalino”, de Carlos Cruz na ostensiva sala de sessões do Centro Cultural da Justiça Federal, Cinelândia, Rio.
Desde 1995, sob o comando de Márcio, este projeto social, gerido por uma ONG, a Reciclarte, que eles mesmos fundaram, já formou dezenas de garotos e garotas na arte da música clássica. Além de já terem se apresentado em São Paulo, Minas, Paraná e Brasília, possuem carimbo de passaporte para o “gringo” – Portugal e Nova Iorque. Inclusive dia desses ouvi uma história de que dois desses “grotenses” quedaram-se por Manhattan e estão por lá, estudando a valer, comendo maçã e violinando nos weekends at Central Park.
A atraente e bonita sede do Centro Cultural da Grota, recém-construída em 2007, é um daqueles espaços em que você sente good vibrations, um lugar para o qual costumo fazer um esforço para dar uma passada, peitico, alugo a técnica de enfermagem para dar uma esticadinha para lá quando estamos em trabalho de campo, visitando as famílias. As grades do andar de cima são parecidas com as calçadas de Vila Isabel, partituras musicais. Tem uma grande árvore no espaço externo nem tão grande assim, que passa a idéia de reverência à natureza, de comunhão dos espaços.
Os jovens, a galera, são como quaisquer outros da Grota: rap, Orkut, novela, baile, lan-house, problemas de repressão por parte de pais evangélicos, alcoolistas, milicianos etc. Agora, uma coisa diferente que notei é que eles têm a noção do reconhecimento de uma carreira, a de músico. Têm a noção do trampo, da trampagem, do esforço que se deve fazer para se seguir adiante. Muitos achavam um saco a racionalidade e a estética aparentemente idosa, gagá, da música clássica, mas depois de estudarem Mozart, Vivaldi e Bach, acabaram reconhecendo este mundo como um mundo maneiro, bacana, que tem suas coisas boas e ruins como qualquer outro. Mas, sobretudo, tiveram o privilégio que poucos dali tiveram, ou terão: o acesso, a escolha por algo que é, à primeira vista, completamente destoante do “normal” para a sua realidade e para os seus sonhos. Acho que eles podem ir além, trazer elementos do funkão, dos hinos, do pagode para a música clássica e fazer o som deles.
Antes da apresentação que fui, percebi que o violoncelista principal com cara de gente boa portava um boné escrito “reggae”. Perguntei: tu saca base de reggae no violencelo? Sei. Então vamos marcar um som: eu toco conga e tu toca violoncelo, poderíamos começar com Bob Marley e Peter Tosh, que tal? Bacana, pode ser, vamo ver, coisa e tal. Ele havia me adiantado que para formar banda era complicado, que ninguém estava topando, que não havia gente que aceitasse uma proposta dessas. De novo a questão do acesso, da comunicação: duvido deodó que nenhum músico do Rio ou Niterói não se interessasse por um projeto desses: reggae com a base de um violoncelo.

São “cordas” como essas de Márcio e D. Otávia que o mundo agradece, tira o chapéu, e grita viva! E como o que é bom e gostoso precisa ser falado e cantado, estou junto com Márcio, ainda bem devagarzinho, pensando num showzão para arrecadar dindin e ser destinado à reconstrução de Niterói pós-desastre – só para lembrar, na Grota morreram 14 e nesse momento existem mais de 500 desabrigados em escolas e igrejas. Nascida de um delírio, a minha idéia é um mega espetáculo em que a Orquestra, e talvez outros projetos semelhantes no Rio e Niterói, abririam a noite e depois viriam Lenine, Maria Rita, Maria Bethânia, Adriana Calcanhoto, Teresa Cristina, Alcione, Zeca Pagodinho etc etc etc. “Só” preciso de um também mega... produtor. Alôou? Alguém poderia me ajudar?
“Tem que pensar grande, muito grande!”, outra do velho...