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sábado, 5 de março de 2011

carta para Noel (peça Rosas de Noel, 01/03/11)



Meu caro Noel,
Escrevo-lhe esta carta no calor da semana pré-carnavalesca de 2011 para, quem sabe, lhe dar mais gosto em nos presentear com uma visita. Se você por acaso fizesse um passeio no Centro pela Graça Aranha neste 1º- de março iria se defrontar com um cartaz no Teatro Sesi anunciando um musical sobre a sua pessoa. Saiba que desde sua ida, há 73 anos, muitas foram as homenagens, em discos, teatro, livro, cinema, e principalmente em intermináveis farras nas noites de homens e mulheres que lhe adoram cantar, e lhe beber em litros e mais litros, brindando o consagrado Poeta da Vila, é assim que lhe chamam ainda hoje.
O seu cartaz por aqui anda em alta, Noel, desde os preparos para a comemoração do seu centenário no ano passado. Claro que ninguém te imaginou um vovozinho com cem anos na corcunda, mas, mesmo assim, a Vila te comemorou com uma enorme cachaçada ali na esquina da Visconde de Abaeté e a Torres Homem, aliás fique sabendo que essa encruzilhada é o novo “Ponto dos Cem Réis”, onde a noite é curta para tanta sede de boemia.
Sobre a sua querida Vila, tenho boas e más notícias. As más têm a ver com o clima barra-pesada nos morros do Rio. Pois é, a cocaína não é mais vendida em farmácia, entrou no mercado negro, assim como a maconha, e quem organiza o pedaço exerce um regime tirânico baseado no terror muito feio de se ver.. Subir os Macacos e a Mangueira para tomar um trago e fazer sambas virou uma aventura de faroeste. No entanto, pintou no pedaço há poucos meses uma nova polícia, que dizem ser incorruptível e possui uma proposta mais cidadã de trabalho com as pessoas, chama-se UPP e tenho certeza que você faria um samba a respeito.
As boas novas é que a Escola de Samba da Vila Isabel, que você nem chegou a conhecer o homenageou no seu centenário, fazendo um belo desfile na Marquês da Sapucaí, um corredor muito pomposo ali perto da Praça 11, construído especialmente paras as escolas desfilaram durante o carnaval, para o qual vem gente do mundo inteiro tirar o chapéu. Pode acreditar, o samba ficou conhecido em todo o planeta e você é um grande bamba reverenciado por todos. Dizem até que você virou Cult!
Além do samba, você projetou a Vila, que em muitos aspectos retribui o amor por você: as duas margens da calçada da 28 estão desenhadas com partituras de canções, a maioria sua, escolhidas a dedo na época  pelo Almirante; shopping, bar, escola, pequenos comércios possuem referências a você e sua obra; fizeram até estátua, tendo você sentado, naturalmente num botequim, e sendo servido por um garçom; e recentemente grafitaram, quer dizer, desenharam e pintaram você no muro de uma escola pública na 28.
Saiba que você se foi no mesmo ano em que o Getúlio implantou uma ditadura braba, vindo outra, ainda mais casca grossa 10 anos depois que o Pequeno morreu, de suicídio, dizem. Certamente muitas de suas canções iriam ser censuradas, e foi até bom você ter ido antes para não morrer de raiva. Até porque no início do século XXI fumar cigarros virou demodé, implantaram uma tal de Lei Seca e as academias de ginásticas estão abarrotadas de sarados e saradas. Definitivamente, você iria achar tudo muito estranho.
Mas também temos os nossos encantos, você iria adorar uma novidade chamada internet. É como um rádio em que existe mão dupla não só de voz, mas de textos, fotos e cinema. Calma, o cinema ainda existe, permanece falado, agora com tradução, mas, infelizmente, está cada vez mais concentrado nuns tais de shoppings, que são prédios sem graça onde se concentra uma enorme quantidade de comércio. Cada bairro tem o seu, na Vila destruíram o campo do América para tal fim. Mas voltando a tal da internet, tenho certeza absoluta que você iria ser um blogueiro assíduo e seu twitter seguido por milhares.
Você talvez não acredite, mas o tal do disco deu muito dinheiro por um bom tempo, e teve muito sambista que lavou a burra. Você abriu os caminhos para que um compositor possa viver só de música. Mas como nada são flores, os artistas acabaram engessados com essa coisa de mercado, que inventa uma fôrma e pasteuriza tudo e mais um pouco. Por isso, temos muita saudade do seu desprendimento, dessa ousadia que lhe era característica e que hoje em dia anda em extinção na temeridade que tem o artista em arriscar.
Mas deixa eu lhe contar coisas boas: Cartola antes de partir gravou discos e viveu a fama, é muito gravado até hoje, Vadico foi músico requisitado em Hollywood, Mário Lago virou ator e um velhinho querido, Braguinha também viveu muito e fez muitas marchinhas inesquecíveis, Pixinguinha virou um deus na música popular brasileira, Aracy chegou a participar como jurada de calouros numa tal de televisão; e a Ceci, bem a Ceci morreu dizendo que lhe amava.
Querido Noel, preciso terminar por agora essa singela cartinha pois me encontro no palco encenando aquele musical de que lhe falei no início. Quero lhe garantir para a sua felicidade algumas certezas do tempo de hoje: as pessoas ainda choram e sorriem ao escutar um bom samba, as cervejas estão cada vez mais geladas e variadas e ainda existem nas ruas mulheres encantadas, enchendo-nos de esperança e mistérios.
Forte abraço

Rosas de Noel

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