Eu tinha tudo pra assinar meu login de @chato no
carnaval do Rio, fazer um instagram blasé para qualquer programa. Ah vou não,
quero não, posso não... Passar carnaval longe de Recife, mesmo sendo um
consciente descansar na Patagônia, é de se fazer chorar por dentro para
qualquer recifense, até para os que não bebem.
Entretanto, após um sábado de bloquinhos enfadonhos
nas proximidades do Centro do Rio, recebo um convite de conhecer um bloco novo
no meu quente e cervejeiro bairro de Vila Isabel. Chato por chato é melhor ser
chato a pé, em vez de se implorar por táxis vazios em cada esquina. Assim como
morar perto do trabalho: há sempre uns 15 minutos embaixo do seu travesseiro. Por isso, sabotei, um pouquinho só, o começo do domingo do carnaval da minha
mulher que, por eu estar chato, chata estava. O Ministério da Saúde se diverte:
Chatice contamina e pode virar epidemia. Ao se chatear, como médico e místico,
recomendo-lhe se desenchatear o mais rápido possível com exercícios
introvertidos de mantra – como lavar a pliha de louças da farra da véspera,
banho frio, duas doses de qualquer garrafa, ou 45 min de exercício aeróbico,
mantendo-se uma frequência cardíaca maior que 100. Senão... senão pode se cair
em esquecimentos de chaves, carteiras e celulares, pequenos furtos e ódios
exacerbados num trânsito nem tão engarrafado assim.
Chegando à praça Barão de Drummond, vejo uma
instalação diferente do dia anterior de carnaval em que para se ouvir os dois
saxes e o trombone teria que se desligar a abafada caixa amplificada da
guitarra do Noites do Norte (aliás, a ideia pega que nem virose e é claro que
eu preciso frequentar a festa de vocês, que se enche com as pérolas do Pará).
Na Praça de Vila Isabel, o Barão de Drummond estava com headphone Bose Noise-Canceling,
ou seja, dava ótimo para ouvir os agudos do baixo com uma cerveja na mão num
lugar aberto. E para não bastar estavam tocando Smoothie Criminal na base do Morro dos
Macacos acompanhados de uma bateria de escola de samba, praticamente uma UPP Social.
Teatrais, com um desejo gigante de se fazer aquele
show, a felicidade transbordava do palco, causando uma enchente numa plateia que
não parava de gritar “Aaow!”. O Bloco Thriller Elétrico é
o melhor do carnaval do Rio 14, um show pão quente manteiga com sal derretida,
interativo, irreverentemente clássico, que instigou uma plateia que não se
acotovelava, e tudo isso embaixo de um céu cinza que escondia o feroz reluzente
do verão carioca.
Dois homens e uma mulher conduziam a voz amparada por
uma banda que incluía metais e um teclado daqueles com efeitos que cheiram a
capa de vinil. Um cantor com agudos tipo Gal e sósias dançantes do Michael, que já antes eram fãs do rei do pop e frequentavam paramentados os shows da banda, e
que foram convidados a participar do elenco, enfeitavam o topo do bolo. Houve
até um divertido concurso
de Moonwalker em que uma olindense com sombrinha na mão e elegância nos pés
representou o carnaval de Pernambuco e ficou em segundo lugar graças aos meus “Aaow!”
de torcida na plateia.
Acho que Noel Rosa gostaria de conhecer o Michael, ambos
eram muito originais e muito estranhos. Tem uma música de Noel, A.b.surdo,
a qual acredito que poderia rolar uma versão jacksoniana bem engraçada. Assim
como Billie Jean poderia sincopar num samba da década de 30. Eu adoro os dois,
tanto que já fiz Noel no teatro e Michael num show em 87 em homenagem ao Dia
das Crianças na quadra lotada do ginásio no Colégio Santa Maria em Recife.
Tinha 9 anos, estava morrendo de medo e dancei o Bad com uma roupa de couro
preto e detalhes de metal, cabelo em gel e uma maquiagem expressionista. Minha
turma de 2ª- série tanto gostou que ficou me jogando pro alto, enquanto eu
tentava me livrar para ver o próximo número: a colega Gildinha, pela qual todos
eram apaixonados, desfilando “Like a Virgin” fantasiada de Madonna.
O Bloco
Thriller Elétrico foi o Dia das Crianças Grandes, deixei de ser chato,
comecei a perceber que existe carnaval fora da vida de Recife, e só não me
candidatei ao concurso Moonwalker pois desde 87 não ensaiava, estava sem meias
e o chão não era liso. Enfim, “Aaow!”, à espera das oficinas do bloco para o
carnaval que vem.
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