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sábado, 30 de abril de 2011

dever de casa


Na janela de um 433 na Hadock Lobo às 13h43m percebi que o tempo mudara. Azul, sol na Tijuca e minha camisa não estava molhada, os passageiros do mesmo ônibus não flutuavam na sonolência inerte dos desidratados. Venham todos ao Rio, a Maravilhosa voltou a amanhecer.

Fim de abril rumo ao Leme. Quando fiz tal descoberta, jurei que nesta semana não mais boicotarei meu android 2.2, sabe?, queria compartilhar alegria naquele sol frio de outono, sentir o abraço virtual esquentar nosso sangue de gigabytes... A chatice é que todo mundo quer compartilhar terabytes de chatices.
Como o “433 Leme” é uma linha nova, o motorista fez questão de vender o peixe: desconfiei de tanta gentileza, é que aqui no Rio venho telefonando para a Fetransporte para queixas usuais das não-paradas, das demoradas e de outros habitués das empresas de ônibus, que esquecem serem concessionárias do poder público. E o público esquece do poder, ou melhor, não sabem mesmo o poder que tem.
O Leme de Clarice Lispector estava de braços abertos para quem saía do bocal do túnel do Rio Sul. Não, não fui à praia, estava a serviço da ciência: etnografar o VI Seminário Médico-Mídia, produzido pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), a qual é responsável pelos camaradas dos sindicatos de médicos Brasil afora. Como estou fazendo doutorado no tema da comunicação/internet/medicamentos/saúde, meu orientador, Mestre Ken, achou que seria uma boa fazer uma etnografia pré-campo sobre o tema. E foi, era o clima.
O hotel Windsor na Princesa Isabel, 263, não se chama Windsor, mas Plaza. Ao entrar na sala Miró do business center, de cara vi que Miró, business e sindicatos não combinam, para a minha felicidade. Na platéia jornalistas e médicos, cerca de meio a meio. Escolhi um assento próximo à caixa de som, acionei o record do meu pen drive azul e gordinho e comecei a anotar minhas impressões de antropólogo que estão servindo de matéria-prima para essa crônica etnográfica.
De microfone em punho, Adolfo Paraíso, presidente do sindicato dos médicos do Maranhão, expunha sua palestra “a relação médico-paciente na visão do médico e da mídia”. Dr. Paraíso disparou várias informações: “o e-mail pós-consulta é uma realidade (…) o médico está a '1 click'”. Falou sobre a importância das redes sociais e a medicina, contou um caso de uma criança que, pela sua foto, uma pediatra conseguiu diagnosticar neuroblastoma etc. Para mim, o que mais me chamou atenção foi o que ele disse sobre a relação entre formação médica, incluindo congressos e a indústria farmacêutica. Mostrou um dado bem impressionante: medicamentos lançados em congressos médicos aumentam suas vendas em 30 a 40% cerca de uma semana após o evento. Acredito que derrapou ao tentar argumentar que a formação médica no Brasil estava ruim devido à alta reprovação nas provas de residência médica, para quem não sabe, uma avaliação estilo vestibular-enciclopédica totalmente anacrônica nos tempos de tablets e smartphones.
Falou também do óbvio: a paranóia processos médicos. É a mesma do Jornal Nacional e dos condomínios de luxo: precisamos fugir para o Avatar da segurança, não falar, nem sequer ver estranhos, a não ser por um BBB qualquer, levantem os portões! Velho medo medieval.
Dr. Paraíso mencionou que o número de processos por erro médico no Supremo Tribunal de Justiça triplicou nos últimos seis anos. Claro, enquanto não descermos do salto alto dos nossos epônimos, não vamos conseguir dar um passo sequer no Reino de Mark Zuckerberg. A educação médica precisa ser compartilhada, todo o conhecimento. O médico que não responder “não sei” está mentindo, impossível até mesmo sendo otorrinolaringologista de tímpano, ninguém consegue acompanhar online papers espalhados pelo mundo. É isso, os papers foram lançados ao ar, por cima dos portões, de todas as fronteiras. Porém, ainda há fronteiras e não são baixinhas.
O acesso digital para a população mais pobre ainda está confinada nos “inferninhos” das lan houses, onde uma senhora de 52 anos, da Assembléia de Deus, não se aventuraria. Na Finlândia, (ok, não quero comparar com o Brasil) mas 97% da população tem acesso à banda larga, é um direito fundamental de um finlandês comum. Só há pouco tempo brasileiros de baixa renda estão comendo big macs e viajando de avião, enquanto as das classes A e B fogem das junkie foods e reclamam da barra de cereais. Mas o “progresso” chegará a todos, não é isso, Boaventura?
Voltando ao seminário... O segundo momento da aprazível tarde de outono foi com o coordenador geral da Crie (Centro de Referência em Inteligência Empresarial), UFRJ, Marcos Cavalcanti. Uma apresentação magnética, que descolava risos da platéia e comentários “ele é muito bom...”. Dr. Cavalcanti, que não era médico nem jornalista, falou pouco sobre alternativas da relação médico e mídia, mas deixou todos perplexos a explicar sobre sistema flex de carros. Essa novidade, segundo ele é 100% tupiniquim e 0% emancipação de um país colonizado. O negócio é que essa alta tecnologia que fabricamos possui como dono um conglomerado de 52 patentes, todas estrangeiras. Isso faz com que em vez de comprarmos um carro Fox da Volkswagen a 6000 euros, como vendido na França, arrematamos 30 000 reais, nos quais estão embutidos o conhecimento, a inteligência, o intangível, o imaterial, o mais valorizado meio de produção dessa Idade Pós-contemporânea, que se iniciou com a queda do World Trade Center e a expansão da web 2.0.
Ou seja, enquanto nós ficamos animados com essa história de BRIC, e o primeiro mundo bate palmas a este povo heroico e retumbante, a roda da história só muda de estrada, mas continua a girar no mesmo ritmo dos antanhos tempos. A exportação de produtos industriais intangíveis nos EUA suplantou o número de tangíveis pela primeira vez na história em 2006. “Que o terceiro mundo se divirta com fábricas e indústrias, deixem-nos com as ideias...” E é muito mais atraente construir ideias enquanto se está com seu tablet na beira mar, do que em pátios de fábricas batendo pontos.
Bom, sobre mídia e medicina o que ficou acertado no final do Seminário foi que a Fenam se responsabilizaria por produzir um tal de “selo médico”, na verdade é como se fosse um “book” dos médicos no país, para que os clientes de planos de saúde não fiquem descontentes ao abrir o cardápio do plano, onde só há entradas e a sobremesas.
Minha impressão geral é que o movimento sindical está espatifado, que a paixão por transformação social, pela diminuição das injustiças nunca morrerá, posto que é fogo humano, mas se mudou de endereço: os movimentos políticos precisam se articular (e saber fazer isso!) na grande rede se quiserem por abaixo a ditadura no Egito.
Saí achando que poucos entenderam que o prato principal se come no Face'doc'book.

PS: é a segunda vez que entro num ônibus na Barata Ribeiro e me sinto numa torre de Babel. Isso porque o dólar está desvalorizado e o cracking desertando empregos...



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