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domingo, 26 de dezembro de 2021

ao mestre, com carinho - Ruben Mattos

Parafraseando Brecht, quando morre um conhecido do qual você gosta, um colega do trabalho, do clube, de um círculo de amigos não tão próximo, você toma uma cerveja, distrai o olhar fixo mais que de costume e mastiga a fragilidade de nossa espécie. Quando se vai uma pessoa mais chegada, aquele amigo importante daquela fase da adolescência, a prima querida que morava longe, mas que às vezes você a acionava no privado do zap para compartilhar o quão sem noção foi alguém em algum grupo... aí a barra fica mais pesada e, por algumas semanas, você trata melhor as pessoas à sua volta, liga bêbado para os amigos verdadeiros e inevitavelmente começa ou termina com um eu te amo.

No entanto, quando morre um mestre, aquela pessoa que em vez de te responder o que você queria, te faz repensar não só a sua plena ignorância sobre determinado aspecto de um tema, mas sobretudo sobre o que você está fazendo com a sua vida naquele determinado espaço-tempo, aquele que nunca transpassa um átomo de arrogância e transborda um verdadeiro prazer de estar ali defronte fervendo eletroquimicamente todas as sinapses do seu córtex, aquele que quando você menos espera, já crescido e também na posição de professor, imagina o que ele responderia àquela estudante naquele momento.

Aquele em que você, fritando de insônia, pensa que poderia te ajudar muito num projeto mirabolante que você acabou de criar, mas fica com vergonha de ligar pra não incomodar, e fica encabulado também de enviar suas melhores produções em vida, mas o faz mesmo assim, e fica na expectativa da resposta do zap porque afinal de contas o sonho de qualquer pupilo é que seu mestre se torne seu fã.

Pois bem, quando ele parte aí é que nem se perder. É o empurrão da vida para a maturidade precoce, você não queria assumir este papel de pai, tio, irmão mais velho, mestre. Porque é duro, é injusto, ainda não crescemos o suficiente… Entretanto esquecemos o quanto fisicamente nosso tempo é ínfimo nesta Via Láctea, que tem este nome devido à hegemonia dos mamíferos. A vida nos empurra da coxia para o palco sem dó. Não quer saber se você decorou o texto e as posições do corpo. Vai!, vupt!, improvisa!

Você sob o holofote, mãos gelando, a saliva some.

Brecht não foi parafraseado, foi paragrafeado quatro vezes.

A morte de Ruben Mattos me chegou por zap, minha companheira no meio da tarde do dia 25 de dezembro de 2020 fez aquele som característico de ar medroso, o suspiro pra dentro fazendo aquele som. Quem morreu? Passei um tempo indo e voltando na notícia do grupo, tentando perceber onde começava e terminava o estopim da tragédia, fui lentamente à área de serviço para chorar no sossego, mas meu filho mais velho fez a questão de me ver em prantos abraçado à sua mãe.

Lembrei da imagem do meu pai em posição fetal em sua cama, também no meio da tarde, chorando feito menino quando soube da morte de um amigo de infância, é a cena mais triste do meu pai, eu não tinha 5 anos, mas ficou. Meu filho foi pro seu quarto chorar e repetir “por que papai tá chorando assim?’ É que um professor que ele gostava muito virou estrelinha, é assim que a gente eufemiza a morte para quem está no Ensino Infantil. Fiquei depois orgulhoso de ter chorado alto, inevitavelmente ele vai entrar no Fundamental respeitando mais a figura de professor. No mínimo, será alguém que não se deve jogar bolinhas de papel.

Não sei porquê, mas lembrei-me de uma cena: após ter virado a noite lendo um capítulo de Boaventura de Sousa Santos para uma disciplina eletiva do Ruben sobre esse autor, encontrei-o manhã cedo no corredor do Instituto de Medicina Social (IMS) no 7o andar do prédio da UERJ, cheguei com a cara de hipomaníaco muito característica que tenho nos picos. Ele abrindo uma risada, com aquela clássica camisa polo verde, e aí, gostou? Respondi: quero fazer isso pro resto da vida. Ele rindo alto. O cenário do corredor dava pro Morro da Mangueira.

Tinha a certeza de que ele também me adorava e entendia perfeitamente a minha sede. O capítulo era A queda do Angelus Novus: o fim da equação moderna entre raízes e opções, o primeiro do livro A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. Era início de 2008, eu havia saído de 8 anos de medicina e residência médica, não aguentava mais aquela narrativa seca, meu primeiro ano de Rio de Janeiro, finalmente cuidando de mim e me presenteando com turnos e turnos nas bibliotecas tentando decifrar a introdução naquela nova galáxia das ciências humanas e sociais, pau a pau com aprender mandarim, recorrendo ao dicionário do Bobbio a cada parágrafo, e continuando sem entender muita coisa, doido atrás de um manual de alfabetização da área, de um organograma gigante de quem é quem, de um livrinho sobre Os Rolês das Tretas Acadêmicas. O ano que fiz 30. Guardo até hoje a cópia daquele capítulo do Boaventura, tirada pelo simpático Zé da Xerox.

A minha turma de mestrado era um caso à parte, graças à tradição interdisciplinar do campo, tinha psicólogas, economistas, odontólogo, enfermeira e médicos. Fizemos movimento estudantil com jornalzinho, cineclube, resgatamos o seminário discente anual. Ruben vibrava, não só na torcida simplesmente, mas porque ele próprio cultivava a política como construção coletiva, lembro de que ele era um dos poucos docentes dali que tinha paciência para as longas assembleias do sindicato de professores, e pedindo inscrição, contribuindo largamente.

Nosso grupo de zap do mestrado até hoje se chama Metralhados, o mesmo nome que demos ao jornalzinho e que foi uma homenagem a ele. Na sua disciplina de história do SUS, ele costumava falar com poucas pausas por mais de duas horas, sem power point ou colinha de papel. E não havia enrolação, digressões alucinadas, ou chatices. Ele era um homem de substantivos. Havia um ritmo e timbre que captava a gente, e toda aquela erudição gentil nos alimentava e, ao mesmo tempo, deixava-nos famintos. Lembro de sair da aula com sudorese palmar em busca de cerveja, absolutamente metralhado. Pertencíamos ao bar, havia um ímã naquelas mesas na calçada da São Francisco Xavier. Nosso cineclube se chamava Cine Perto Bar, a discussão não poderia ser feita no auditório do IMS após o filme.

Ruben aplaudia tudo isso porque ele amava os estudantes, os alunos, que para ele, ao contrário da etimologia, tinham mais luz que o sol. O real tesão dele era o debate com os jovens e não a sanha competitiva da produtividade acadêmica, com produções inúmeras vezes vazias de sentido. O sentido da sua integralidade era ficar ali de pé o tempo que fosse necessário nos corredores do IMS na sua escuta ativa clínica aos lamentos, piadas, dúvidas, encheções de saco de qualquer estudante, mesmo que não fosse seu orientando, isso não importava. Como Tatiana Wargas escreveu num editorial, era fácil vê-lo nessas circunstâncias "rindo com os olhos".

Lembro que o IMS chegou ao ponto de barrar o número de orientandos por professor porque ele tinha mais de 20. Na minha época, pela raiz foulcautiana, o método de, após ingressar no mestrado, achar o seu orientador era justamente não existir método algum. E muitos professores topavam qualquer tema e objeto, mas tinha que bater à porta, tomar um café, quase um jogo de sedução. Tanto é que, como passei em 2o na seleção de mestrado, e sabia que meu amigo Felipe Cavalcanti, 1o, desejava-o, nem pensei em duelo. Quem viesse do movimento estudantil de medicina para o IMS nessa época seria devido aos livros do Laboratório de Pesquisa sobre Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis), já capilarizados pela Diretoria Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina para os centros e diretórios acadêmicos desde 2001, por isso Roseni Pinheiro foi minha orientadora de mestrado. No hit parade, o livro Os Sentidos da Integralidade, tem um trecho-profecia do Ruben para esta barafunda em que mergulhamos desde 2013: "Difícil tarefa para nossa cultura, na qual nos habituamos a criticar os adversários mais do que os aliados ou a nós mesmos."

Última vez que o vi foi em 2015, mas imagino o quão sofrido foi, para um homem que tinha o diálogo e o debate como raízes estruturantes da relação humana, conviver num mundo de surdos monólogos. Em 2015, um dos titulares da minha banca de doutorado não pôde estar e Ruben era suplente. Ele leu mais atentamente minha tese entre todos da banca, e teve dois dias para tal.

Para mim é o maior exemplo de professor com total dedicação aos estudantes, que realmente entendeu que todo este esforço pedagógico nada valorizado na academia é o que faz a diferença, o que eterniza.

Como qualquer erudito, a sede era vasta. Os estrangeiros Carlos Matus, Rorty, Foucault, Canguilhem e, sobretudo, Boaventura; os brasileiros Luiz Cecílio de Oliveira, Madel Luz, Sonia Fleury, José Carvalho de Noronha, Jairnilson Paim, Lígia Giovanella, Eugênio Vilaça Mendes, Gastão Wagner Campos, Emerson Merhy e, sobretudo, José Ricardo Ayres perderam um dos seus mais atentos leitores. Compositores da música clássica, um dos maiores ouvintes.

Quando o conheci, mesmo depois de 20 anos de ter largado a clínica, quando o papo se enveradava para uma discussão de caso, ele acompanhava e ainda trazia contribuições. Kenneth também é assim. Ficava, e ainda fico, de cara. Ruben gostava de repetir o manejo do edema agudo de pulmão de cor, foi intensivista e descrevia o quanto o Hospital da Posse quando recém inaugurado era de ponta. Contava, gargalhando, o espanto de alguém da sua banca de entrada no mestrado quando soube que ele era intensivista, "você intuba pessoas?!".

Nos seus metralhados de terça à tarde, ele tentava trazer com penar nas entrelinhas como se deu a cisão de caminhos entre os clínicos e os sanitaristas, era como se fosse um aviso, pelo menos para mim, que ainda hoje não consegui largar a clínica. O campo da Atenção Primária à Saúde, se assim Bourdieu me permite, está justamente nesta interface, mas o mato ainda está bem alto, e quem está ceifando é a minha geração.

A falta que Ruben faz neste mundo de monólogos e distorções da verdade, de descrédito da educação e da ciência, de agressividade e intolerância, é tão gigante que dá uma vontade infinita em investir na formação de crianças para seguirem seu caminho da paciência, da comunicação não violenta, e da real importância e generosidade pelo ser humano que está ali em sua frente, com a sua história particular de ambições e vícios, mas que contém todos os sentimentos possíveis que nos une como uma espécie que abomina a solidão absoluta e possui, apesar dos pesares, uma capacidade infinita de amar. E Ruben amava. Desbragadamente.

Depois de sua ida, fiquei mais atento aos detalhes do encontro da aprendizagem, que tenho certeza de que ele trazia como referência o mesmo cuidado do encontro clínico. E são nesses encontros de sonhos e sofrimentos, que eu o vejo rindo com os olhos, ajeitando o cabelo e começando com um "veja bem", enquanto algum jovem está ali diante de nós suportando todo o sentimento do mundo.  


  

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Medo Medieval: o conto do canto

A primeira vez que ouvi tiroteio de verdade no Rio foi numa madrugada no apê da Rua Gonzaga Bastos, Vila Isabel, que meu amigo Lucas Benevides, psiquiatra carioca que morava no Recife, me emprestou para uma temporada no Rio, a qual já dura 13 anos. Passei apenas seis meses, e foi naquela sala onde compus Medo Medieval, também na madrugada. Tinha acabado de ingressar no mestrado de Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social da UERJ. Acordei de supetão e rolei para debaixo da cama. Era 2008.
O medo de andar pra cima e pra baixo, de trem e busão, plantão de São Gonçalo a Bangu, estava presente, mas não me ameaçava. Cheguei no início do pacto de paz, aos custos reais que desconhecemos até hoje, e que durou até a Copa de 14. Cabral, UPP, grandes eventos. O fato é que todo aquele Rio perigoso, que ouvimos no JN desde a década de 80, havia se tornado novamente aquele Rio pré-70. O sol, o sal e o mar, e aquela sensação de que o caos estava abafado e escondidinho debaixo do tapete. Perdi o medo, voltei inúmeras vezes no sono alcoólico, 433, queimando a parada para despertar no terminal. A passos lentos, 3 da madruga, da Praça Barão de Drumond à Gonzaga Bastos, o único pedestre, destemido, que nem nos tempos de Noel.
O mestrado era puxado, só dava para trabalhar como plantonista, passava horas lendo uma literatura que não tinha a menor aproximação prévia: ciências políticas, economia, sociologia, filosofia. Outra linguagem, outros sentidos para as palavras, dicionário do Bobbio a tiracolo, como se aprendesse uma outra língua. Para aliviar a barra, minha turma era sensacional, multidisciplinar e adorava um bar. Rimou.
Fizemos jornalzinho, cine-clube, seminário estudantil, muitos rolês. Buscávamos outra maneira de escrever para a área, expressão em outros formatos que não fosse algo maçante. Foi quando, numa madrugada da sala da Gonzaga Bastos, lendo A Dinâmica do Capitalismo, do Fernand Braudel, para apresentar numa avaliação de disciplina, pensei em fazer algo diferente.
No dia da avaliação estaria no Recife para o São João, então tive a ideia de enviar uma gravação, que a minha turma apresentaria ao vivo quando chegasse a minha vez. Como estava interessado na área da comunicação e saúde e iria trabalhar com rádio comunitária, inventei um programa de rádio em que tentava imitar as vozes de radialistas populares do Recife da minha infância. Escrevi um roteiro sobre a minha parte naquele livro e em outros da disciplina, tentando temperar com humor tipo Pasquim e Monty Phyton. No entanto, precisava de uma canção.
Estudei teoria musical e cursei 3 anos de teclado no final da infância e pré-adolescência, tocava Yesterday, La Cumparsita, Reality e Eu sei que vou te amar nos natais em família. Não era lounge, num determinado momento da noite minha mãe chamava todo mundo para o meu quarto, eu ensaiava para tal, palmas e plateia. Aos 14, a primeira banda com a galera do Colégio Santa Maria. Levei meu teclado para o quartinho na cobertura do meu primo. O meu tio nos chamava de Inimigos do Ritmo, mas o nome era The Primos. Achei conveniente a crítica e pedi um baixo para o meu pai, queria resolver esta lacuna. Giannini Slim Line preto. A banda durou dos 14 aos 19, nosso ápice foi tocar na formatura do 3o ano. Rock 60s, Beatles, Stones, Doors e Jovem Guarda. Na infância gostava tanto de Elvis que levava a foto dele para o cabeleireiro, tentava o topete e não conseguia, apelei para o gel, e logo ganhei o apelido de Tufa na escola.
O nome da banda era em homenagem a uma outra, Os Primos, cujo pai de um dos integrantes teve, também com o seus primos. nos anos 60 e que teve alguma repercussão, tocavam nos auditórios de TV e eram amigos do ritmo e da afinação. Desde então nunca abandonei o violão e os songbooks de Almir Chediak, entrei na faculdade mais MPB. E daí para se apaixonar pelos ritmos pernambucanos foi um pulo. Saí da faculdade de pandeiro na mão.
Até 2008 havia escrito apenas 4 canções, todas em parceria: um rockão em inglês, um samba ainda sem harmonia, um baião que veio de um poema e outro sambinha que já tem harmonia e experiência em shows e que gravarei em 22. A minha praia era literatura, poesia e crônica.
O livro de Braudel foca em como se deu a expansão da economia de mercado do final da Idade Média até fins do século XVIII, como foi que a expansão do capitalismo acabou subjugando e empobrecendo os camponeses autônomos da Idade Média que estavam fora dos limites dos mercados em ascensão: Veneza, Flandres, Ístria, Pérsia, China. No final das contas, é o que já sabemos, a acumulação inumerável de riquezas roubadas da América, África e Ásia a partir do século XV, eliminando qualquer possibilidade de vida autônoma que seja a par desse sistema. E mesmo depois da Peste, todas as guerras e pandemias, “a cidade não para, a cidade só cresce, o de cima sobe e o de baixo desce”.
A referência para compor veio da Califórnia, a música Alabama Song (Whiskey Bar), dos The Doors. Colhi palavras e frases do livro do Braudel e comecei a compor uma métrica, pensei inicialmente num poema. Tanto que a brincadeira com mercado, ria! e pirata, ria! acabou ficando na gravação, e precisei castigar no “r” do verbo rir para não perder o trocadilho. Havia brincado também com Veneza (Vê, Neuza) e troquei "de coca", de cócoras, por "invoca". Havia escrito "elã", sei que não dá para entender esta palavra velha ao cantar, mas deixei. Quer dizer entusiasmo, impulso, acho que errei, mas prometo melhorar e tomar extremo cuidado quando for transcrever um poema para uma canção.
A harmonia original foi feita pelo meu parceiro João Bustamante, fizemos inclusive uma canção juntos em que, de novo, trouxe um poema para uma canção, e que gravaremos em 22, mas acho que nesta deu certo. O ritmo original é bem Alabama Song, meio circense, mas o samba sempre esteve presente. Eu fazia um vocalize humilde no final do formato original que virou o coro grande de samba do final.
Quando nós, médicos de família e comunidade do bairro da Penha, formamos a banda Empenha em 2012, a ideia era se divertir na base rock, assumi os vocais e matei a saudade da adolescência, porém sempre descambamos para música brasileira, Gil, Caetano e Chico com uma roupagem mais rock clássico. Levei o Medo Medieval para os ensaios e começamos a brincar, a rapaziada tira onda comigo até hoje, dizem não entender parte da letra. Certamente é a nossa mais antiga música autoral depois da marchinha Sisreg que fizemos bem no início e gravamos uma demo.
Adorei os arranjos de guitarra, baixo e bateria. a combinação de Zartinho (Moisés Nunes) e Baiano (Fernando Pedroso) na guitarra, a precisão, adoro especialmente o solo do Zartinho e o retorno pós início da parte B2 (Veneza) do Baiano, lembra muito Gang of Four, The Clash. A segurança na bateria, inclusive no samba, que não é a praia do Leo Graever, e a linha de baixo original e diferente do Jorge Maravilha (Jorge Esteves), prestem atenção, são pontos altos. A gravação e mixagem desses instrumentos ficaram ótimas nas mãos do nosso produtor nesta canção e em outras, Bruno Villar, que está conosco desde 2017. Não gosto do esforçozinho que fiz a mais para cantar, nunca mais gritarei, só em show, não gosto da minha dicção em "Pérsia", meio carioca de ponte aérea. Porém, gosto da voz no samba e adoro também o coro final.
Gravamos alguns instrumentos de percussão (surdo, tamborim, pandeiro, ganzá) com a minha amigona percussionista super talentosa Geiza Carvalho, que estudou clássico e popular aqui no Rio e na Alemanha, e foi minha parceira de percussão na banda Harmonia Enlouquece, da qual ainda pertenço com muito orgulho. Aprendi muito com ela e com Dedé, meu outro parceiro. Acho apenas que na próxima poderíamos melhorar na captação e mixagem, não é fácil gravar percussão.
Sobre o processo de gravação, deu-se em dois estúdios, Overloud, em Vila Isabel, e HR, na Tijuca. Lembro das madrugadas no Overloud, a garrafa de uísque e nós exaustos. Tem fotos de Baiano e Jorge dormindo no chão da sala da técnica e da gente gravando o coro, acho que tirada pelo Leo, que não sei porquê não cantou, apesar de afinado.

Medo Medieval é o nosso filho mais velho, então a gente ama, e também enxerga mais os defeitos, espero que trazer o contexto do processo ajude vocês a ouvir com outros tímpanos. Jacques Le Goff, especialista em Idade Média, defende a tese de que esta coisa de pintar essa época como sombria, cinza, trevas, estagnação, cheia de medo e de superstições, como antagonista do Renascimento, iluminado e ilustrado é um erro, mas também uma narrativa proposital. Não pode haver alegria e criatividade em tempos de baixo consumo. Porém, engana-se quem acha que os que ficaram à margem são necessariamente deprimidos por não terem grana para consumir o que não precisam no mercado livre.
No meio do massapê da monocultura exportadora escravocrata, na Zona da Mata pernambucana, nasce a flor do cavalo-marinho e maracatu rural. De mono para multicultura stereo, mais rico do que qualquer lucro. Daí a insistência no medo medieval, que é na verdade um não medo, uma coragem de enfrentar as nossas próprias trevas, que nunca estão isoladas, pois sempre terá a esperança de um batuque e da guitarra, seja em Vila Isabel, em Nazaré da Mata, na China, na Península da Ístria ou num banco de uma praça russa.

Instagram @praia_vermelha_



Medo Medieval (Tufa)


a Fernand Braudel


 


  Invista no vinho branco da Ístria

  Insista no extremo norte capitalista

  Elã!,  o verde trigo da Pérsia

  Conversa no banco da praça russa


 
Mercado,  ria!


Vem, capital

De poesia


  Chega de tanto lucro irreal (3X)


    Veneza comprou a seda da China

    Me ensina usura que não se esqueça

    Milito no rico mundo da troca

    Invoca, me peça mais gasolina



    Pirata,  ria!


Bem virtual


    À revelia


      Do nosso medo medieval (3x)


           (solo de guitarra)



Veneza comprou a seda da China


    Me ensina usura que não se esqueça

    Milito no rico mundo da troca

    Invoca, me peça mais gasolina



    Pirata,  ria!


Bem virtual


    À revelia

         
      Do nosso medo medieval

         Do nosso medo medieval

         Do nosso medo medieval

         Chega de tanto lucro irreal


            coro




créditos:


melodia e letra: Alfredo de Oliveira Neto (Tufa)

arranjo: banda Empenha

produção musical: Bruno Villar


créditos da gravação:

guitarra base: Fernando Pedroso (Baiano)

guitarra solo: Moisés Nunes (Zartinho)

bateria: Leo Graever

baixo: Jorge Esteves (Jorge Maravilha)

voz, pandeiro, palmas e efeitos: Alfredo de Oliveira Neto (Tufa)

vocais: Baiano, Zartinho, Tufa, Bruno Villar e Jorge Maravilha

surdo, tamborim, efeitos, palmas: Geiza Carvalho.


gravado entre 2017 e 2018 nos estúdios Overloud, no bairro de Vila Isabel, e HR, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro.