“Uma carta sempre pode falhar ao seu destino”
(Jacques Derrida)
“Mas mesmo assim precisa ser escrita”
(eu mesmo)
por Dr. Luiz, médico de família de uma OSS perto de você
Querida presidenta, bom Dilma!
Recebi a sua última carta de Natal e me deliciei em lê-la em pleno vôo de férias rumo a Recife. Eu não lhe contei, mas casei novamente, na verdade, união estável, até que se prove a instabilidade inevitável das uniões. Ela é de Garanhuns, o que já cheguei a comentar via mensagem de “face” ao Lulão, o qual me respondeu: “em terra de muitas flores, é comum se esquecerem dos muitos espinhos”. Bom, como estamos no começo, ando levitando entre os perfumes de rosas e jasmins, sem sangue no dedo. Mas, voltando à sua carta, adorei a sua classificação para o balanço dos meses dez-jan-fev, “o trimestre da euforia”. Apesar de vazamento do Enem (aliás, eu diria uma infiltração crônica) e do golpe baixo à EC29, a popularidade da senhora atingiu novo recorde só perdendo para Michel Teló, nosso mais novo embaixador europeu. Delícia, hein presidenta? “Assim você recandidata…”
Comprovamos essa euforia: ao nosso lado no vôo lotado de fim de ano, estava Ademilson, um motoboy da Rocinha se batizando nos ares. Uma beleza, doutor ao lado de motoboy a 11 mil metros de altitude, estávamos no céu, todos irmãos, pátria amada e idolatrada, quase uma União Soviética. Como se mostrava visivelmente nervoso, ensinei-o a afivelar o cinto e o tranquilizei, disse-lhe que o piloto automático não some nem da caixa preta. Mais relaxado, o tadinho foi pedir uma cerveja para aeromoça da Gol, e foi nesse momento que começamos um papo sobre segurança pública na Cidade Maravilhosa. Ao descer no Recife, boa parte da minha ilusão sobre a UPP tinha se esvaído no calor da capital pernambucana.
Ademilson é amigo de infância do Nem, sobre o Enem ele não quis falar, disse que esteve por dentro de toda negociação daquele “teatro pra Gávea ver”. Blitz + caçamba de caminhonete = operação sucesso. A “semanada” que os motoboys tinham de se coçar para pagar aos rodoviários e policiais militares, para comprar a vista grossa sobre as motos roubadas, apenas foi transferida para a mão da milícia. Como aquele deputado que a senhora adora, o Freixo, comentou na última entrevista: “o tráfico não mata juíza, não elege deputado estadual”. Já a milícia, presidenta, é uma gestapo, a corporação que assume o comando político e financeiro nas comunidades sem precisar trocar tiros ou se esconder, a milícia pertence ao Estado, é aparelhada no bojo político-burocrático, suas ações são pagas pelos contribuintes. Presidenta, por incrível que pareça, é mais grave que o impasse diplomático de Michel Teló…
Após ele lamentar que a única novidade pós UPP foi a necessidade de usar capacete, lembrei a Ademilson um caso que uma paciente me contou e também tem a ver com o papo sobre a segurança pública. A consequência desse relato culminou no meu trauma com iogurtes, pensei até em procurar um psicanalista, mas desisti, recusei-me a rememorar meus chandeles da infância.
Durante a invasão do final de 2010, Ana estava em casa com os três filhos e o marido, todos apavorados com a guerra que se desenrolava na porta da casa, quando adentraram policiais do Bope supostamente atrás de armas e fugitivos. Após revirarem, numa “contra-faxina”, a casa inteira, não satisfeitos com a desordem, abriram a geladeira da família e começaram a “confiscar” os danoninhos da criançada. Com a trilha sonora dos lamentos choramingados de Ana e seu marido, os heróis do Rio e do Brasil se lambuzaram do creme lácteo, rosado e infantil, e bateram em retirada, levando ainda 50 reais da conta da luz que estavam em cima do móvel da sala. Danoninho ser despojo de guerra foi o bastante para o gatilho do meu trauma com iogurtes.
Ademilson, amigo de infância do Nem, estando longe de não estar nem aí, comoveu-se com a história, até porque estava seguindo do Recife para o interior da Paraíba, sua terra natal, rever sua filha depois de 8 anos. A menina agora está com dez, ele até me mostrou um pinguim de pelúcia que havia de lhe presentear. Um pinguim no verão da Paraíba? Fiquei calado.
Presidenta, sei que são histórias bem comoventes e por isso fiz questão de não as lhe contar próximo às festas de fim de ano.
Mas deixe-me acabar essa carta com boas notícias de Pernambuco. O cheiro de flores ainda perfuma meu caminho, principalmente após muito dengo com cuscuz, macaxeira, queijo coalho e bolo de rolo. Ralei muito o bucho.
Pernambuco está rememorando os investimentos de ingleses e holandeses que nem no período colonial, de vento na caravela em popa. Estaleiro Atlântico-Sul, Refinaria Abreu e Lima, Pólo Petroquímico e por aí vai, tem até gringo vindo morar por aqui, ensaiando os passos do forró.
Entretanto, o neto de Arraes, o atual governador, está mais para Margareth Thatcher do que Vladimir Ulianov, o Lênin, pois sendo do Partido Socialista Brasileiro, está dando uma de doido e governando capitalisticamente o setor saúde. Privatizou geral, demitiu estatutário e concentrou o poder nas OS e num instituto filantrópico materno-infantil, que está mais para papai de gravata tomando uísque do que uma mamãe amorosa e fraternal cheia de leite para dar.
É bom ficar de olho, dizem que ele pode atrapalhar a senhora em 2014. Aconselho-a fugir dos seus olhos azuis, que dizem lá por Pernambuco virem de Chico Buarque. É, também não entendi… Bom, se ele cantar para senhora “ai, seu eu te pego”, cuidado! “assim você não se recandidata”.
Cordiais saudações e até o carnaval,
Dr. Luiz
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