Gastamos quase meio dia para cruzarmos Juiz de Fora exageradamente falando. Confesso ter dificuldades com cidades de médio porte, posto que já possuem as explícitas desvantagens das capitais. Mais automóvel que rua, feiúra arquitetônica, privatizações escancaradas do espaço público, epidemia da síndrome do pânico entre a classe média, passeios no shopping e ameaças sórdidas, impostas por narcotraficantes e milicianos, aos cidadãos pobres das favelas.
Por outro lado, esses municípios grandes, porém pequenos, ainda não contêm o gordo cardápio de opções, da diversidade caótica das grandes cidades, albergando filme húngaro e lançamento de escritor moçambicano, tendo, na sala ao lado, um forró rabecado phsyco-trance. Por essas carências e outras ausências, sou bem a favor que se multipliquem centros culturais, mas que sejam centros-periferia, descentralizando, trocando, misturando-se. Os pontos de cultura, por exemplo, a depender do caráter democrático de suas gestões, parecem abrir cortinas de entusiasmo Brasil afora.
Enfatizo centros-periferia, pois não chego a sentir um clima democrático-cultural, por exemplo, por entre os jardins burlemarxianos, da beleza arquitetônica e tropical do Alto da Gávea na ex-mansão dos Moreira Salles, hoje Instituto Moreira Salles. Na guarita ainda me sinto visitando a família do influente banqueiro, seguranças Men in Black e headphones. No café, me sinto em Paris, um bistrô recheado de pessoas brancas, no mínimo bilíngües, um “menu” que afastaria qualquer família rocinhanense que estivesse, por acaso, querendo curtir um agradável fim de tarde.
Dia desses, nesse mesmo café, acompanhei de soslaio a conversa de senhoras viúvas ricas, aparentemente judias pelo tom da prosa: “(sobre o massacre recentemente realizado pelo exército israelense)... e estão fazendo isso logo contra quem? O ‘Glorioso’ exército de Israel... eles estavam errados, sabiam que era proibido aportar o navio...”. Voltemos a Minas, onde o porto mais próximo fica no Espírito Santo...
Rio Pomba, Ubá, Visconde do Rio Branco, Coimbra. Payol, “Coiotinho”, Guaraciaba Premium, Doce de Leite Viçosa, Pão de queijo molhado, quente e macio no café da manhã. Frio de rachar beiço. Foi no bar do Helinho que li emoldurado na parede um discurso de formatura do Nizan Guanaes para uma turma de publicidade: “tente trabalhar no que goste e nunca mais trabalhe na vida”. Carlos Drummond não poderia ficar de fora deste parágrafo: “Eta vida besta, meu Deus”.
“Vencer” e “Agir” estão escritos nas colunas de entrada da Universidade Federal de Viçosa. Dos cerca de 60 mil habitantes dessa cidade, perto da metade estão vinculados à vida universitária de alguma maneira. O campus é certamente um dos mais belos desse país, com direito a dois enormes lagos, construções modernistas e um conjunto de plantas ornamentais. O clima é de sol aberto e os ventos joviais criam um redemoinho de esperança, elevando nossa expectativa de vida.
Na mesma noite da chegada, fomos abençoados pelas águas do Mississipi em plena Zona da Mata mineira. Numa estação de trem desativada, um festival de blues alcançava seu último dia, onde pudemos compartilhar da felicidade da platéia em retirar as cadeiras enfileiradas na frente do palco, onde sentavam o prefeito e sua comitiva. O intuito foi o de ampliar a dança e os aplausos à última banda do festival, que não devia nada a nenhuma bluesband de New Orleans: Rodrigo Nézio & Duocondé Blues.
Após várias fichas de sinuca e doses de Guaraciaba, meu fiel escudeiro Felipe Camarão e eu encerramos as provas do concurso de professor para o recente Departamento de Medicina e Enfermagem, motivo da aventura. Ajudamos inclusive à coleção das “formas bizarras de se assistir ao jogo do Brasil na Copa”: contra a Coréia do Norte, a TV estava em “mute” e os laptops abertos. Dentro de um quarto de hotel, só aumentávamos o volume quando ouvíamos os gritos. A última etapa do concurso iria se iniciar ao término do segundo tempo.
Fomos aprovados, o Brasil reprovado, onde estava o Kaká na minha prova? Descobri que não perdemos muito, o beijo ardente de Maicon na aliança após o primeiro gol brasileiro selou o casamento da Seleção com a Nike. Na verdade, o matrimônio é poligâmico: aventuras amorosas com o Itaú (quem diria!); Guaraná Antarctica, como o energético loverman e a Vivo se disfarçando de Tiazinha malvada, não comentarei sobre o Gillette e outros participantes dessa orgia futebolística... Vampeta é que está certo em dizer que só quem pode reclamar da Jabulani são os goleiros e os invejosos do relacionamento estável entre a FIFA e o Adidas.
Voltamos certos de que só os bobinhos acreditam ainda em nações, que os jornalões brasileiros são os responsáveis pelos engarrafamentos de carros no país e que Luis Fabiano é um filho bastardo de Pelé.
Microsofteanos, nikeanos e cocacolenses, por favor, chamem novamente o Drummond: “Eta vida besta, meu Deus”.