Powered By Blogger

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Bom Dilma!

Uma carta sempre pode falhar ao seu destino.
(Jacques Derrida)
Mas mesmo assim precisa ser escrita.
(eu mesmo)


Desde julho que não lhe mando cartas, como frisei havia aderido aos Cypherpunks do Assange e Snowden. Tive que sair do Face, do Google e cancelar meu Smiles platinum. Havia voltado, inclusive, ao stupid phone. No entanto, descobri pelo DSM V, o mais novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que sofro de IAD, Internet Addiction Disorder, e, obviamente, de muita saudade de me comunicar com a senhora.
Consegui um afastamento da Clínica da Família no Rio, onde trabalho como médico, devido à enfermidade. Estava impraticável. Quando chegava próximo ao acolhimento para falar com um agente comunitário de saúde, no meio daquele oceano de gente, a tela do seu computador emitia as ondas azuis do Face, hipnotizava-me por alguns minutos e não conseguia desgrudar o olho até o agente correr toda a extensão da sua timeline. Podiam gritar “ô, doutor!” a tarde inteira que eu não saía do transe azul. Às vezes – confessarei só para a senhora – quando a geladeira da família dinossauro se abria, ou seja, quando o bicho comia na demanda espontânea, eu fingia uma enorme necessidade de banheiro e corria para a sala dos agentes. O bar dos bêbados, o pico do surfista, o banquete dos diabéticos, para mim, com IAD, a sala do paraíso. Todos os 10, 15 computadores abertos no Face. Numa dessas, a gerente me achou e perguntou se eu iria demorar para voltar ao atendimento, respondi: “curto, mas não comento”. Recebi a licença no mesmo dia e descobri que na New York University possui um grupo de pesquisa testando drogas para esse tipo de transtorno.

O que fiz? Vim para Lower East Side passar o fim de ano e me servir de cobaia. Há males que vem de trem, no meu caso vim de TAM, poltrona sardinha e atendimento carioca, ou seja, “por favor... Já foi.” Todavia, me diga, como estavam as coisas aí na Bahia no reveillon? Calor? Aqui está menos 3, umidade 50% e parcialmente nublado. O Abominável Homem das Neves passou por aqui, destruiu tudo de branco. Enquanto aí feministas fazem toplessaço, se eu fosse a senhora lá na base naval de Aratu faria um roupaçasso, pois topless é coisa de patricinha. Daria dia de folga para os seguranças, e paf! Roupaçasso presidencial. Soube que a senhora anda lendo Getúlio, do Lira Neto, mas lhe aconselho fortemente a trocá-lo pelo clássico 1984, do George Orwell. A senhora vai ficar mais orgulhosa do Itamaraty ter cancelado sua vinda para cá em outubro passado. Sei que a senhora não leu quando jovem, pois se tratava de uma literatura pelega. Quem diria?! O Estado totalitário que Orwell pintou sob o comando do Partido Interno não é de esquerda, longe disso, o seu aspecto materializou-se no país mais pelego do planeta, Here! O pior é que a diferença com a realidade atual ainda é mais absurda. Na ficção, a teletela é o olho do Estado nas vidas privadas dos cidadãos, sendo que é chata, com conteúdo e design patriota e careta, e agora temos a internet e o seu admirável novo mundo, e é justamente por essa beleza que somos fisgados, justamente por essa isca de sociabilidade, compartilhamento e rapidez na troca de informações. Para eles hoje em dia é mole, presidenta, só jogar a isca azul. Eu tentei, presidenta, juro que tentei, mas o DSM V foi maior que eu. Não sei se Winston, o protagonista do livro, também conseguiria resistir ao Face, a senhora eu tenho certeza, quem aguenta Sarney, Maluf e Renan, possui nervos de aço inoxidável, mas aí seria outra ficção, estilo Robocop.

Já que a senhora não veio a Nova Iorque, pintarei um pouco da cidade. Se Descartes, tivesse vivido por aqui diria: “Consumo, logo existo.” Se você tiver um dinheiro, ouvirá “enjoy!” em restaurantes, caso não tenha, plante talento e vá tocar no metro ou fazer teatro de rua. Ninguém ali está de bobeira, asiáticos, americanos, africanos e europeus estão ali para serem “the king of the Hill, the top of the heap”, como diz a canção. E aí chama o Tim Maia, porque vale tudo, principalmente homem com homem e mulher com mulher. Do Central Park para baixo tudo é prafrentex. Não é por acaso que cineastas gostam de filmar por aqui, economizam dinheiro com figurante e figurinista, sair na rua sem acessórios é praticamente ilegal. Gravatas borboleta, chapéus, suspensório, óculos, jaquetas, além de tatoos, cabeleiras, piercing, e todas as roupas da vogue. A senhora poderia inaugurar o transado vestido que comprou na África do Sul durante o funeral de Mandela, ou bancar um roupaçasso no Great Lawn do Central Park, seria mais uma latinoamericana exotic, pero sin perder la ternura jamás. Por aqui a senhora é um equilíbrio entre Chavez e Mujica, gosta de Cuba, mas é pop, porém nada de propaganda gay anti-aids que ofenda a bancada evangélica, muito menos legalização da erva de Feliciano, quer dizer, do diabo. A senhora, presidenta, aqui em Manhattan é uma estampa de Che pintada por Warhol.

Falando em artista, ontem eu estava no Met, o Metropolitan, o que é aquilo, né? A propaganda revela o que representa: “One MET, Many Worlds”. Bonito, né? Apesar de todos saberem que é “Many (robbed) Worlds”. Para entrar, você escolhe o preço que quer pagar, dei 1 dólar. O atendente falou que estava fazendo uma pesquisa e queria saber de onde eu era, fez uma chinfra, achando que eu iria me envergonhar, finquei firme o pensamento na senhora e falei com um riso escondido no canto da boca: “Brazil, with proud.”

Uma maquete encontrada no Egito há mais de 3 mil anos, em ótimo estado, mostrava o óbvio: a humanidade, desde o Egito, sempre comeu pão, escreveu e tomou cerveja. Pois bem, no meio dessa constatação de Amon-Rá, quem encontro ao meu lado? Joaquim Barboza de capuz vermelho, tinha vindo de Paris só para revisitar o Met. Enquanto ele ultrapassava o Templo de Dendur, juro que vi a deusa Osiris lhe oferecer uma taça, de onde saíram hieróglifos esfumaçantes, os quais pela ondulação, fundiram-se em letras latinas, talvez pelo fato do Templo ter sido construído pelos romanos, mas o que interessa é que consegui ler: “Fecit illud in Lula”.
Tive que sair do museu e me embrenhar no Central Park, quase cometi um roupaçasso em pleno inverno cruel de tanto atordoamento. Precisava de um Starbucks para poder entrar no Google Tradutor, que diachos de sinal era aquele transmitido de Osiris diretamente para Joaquim?
Depois de rodopiar por gramas brancas, caí no West Side e entrei no Zabar`s, um restaurante judeu. Pedi a senha do Wi-Fi, teria que consumir algo, claro. Enquanto devorava um cookie kosher, copiei a frase que li, 2 L em illud, 2 L em illud, vinha repetindo sobre as gramas brancas. Puf!: “Ele fez isso pelo Lula”. Oxalá, Osíris! Presidenta, a senhora acredita nisso? Acredita em algo?
Peguei um metrô, óbvio que errei a linha, eu precisava de um Face, comecei a sofrer abstinência, não queria ligar para o meu pesquisador psiquiatra. Invadi o Jules, bar de jazz na St Mark Place, a rua dos beatniks e de tudo mais um pouco, entornei uma dose do uísque mais barato e, como não tinha um rolo de telex e uma máquina de escrever, assumi o contrabaixo do set que iria começar em pouco tempo. O instrumento estava obviamente desplugado, mas os gatos pingados que estavam ali ouviram um brasileiro em abstinência de IAD cantando “Lula Lá” em ritmo de jazz, e com scats. Eu não estava bem, presidenta.

Agora, mais calmo, após alguns tablets e divãs, acesso a GloboNews e percebo que Orwell realmente é um profeta, Caio não jogou o rojão e é evidente que possui ligação com Freixo desde que nasceu. A questão é: por que ele assumiu o crime? Quem está por trás disso? Quem quer garantir a paz do apito nos gramados da Copa? Como será essa peleja? Justiceiros no ataque, a milícia na defesa, e o Cabral de helicóptero filmando tudo? Paes, é claro, como cobrador de ônibus para garantir a tarifa. Quem editará as imagens que Santiago gravou? Vejo tudo azul, presidenta, a neve azul, o prédio azul, a senhora própria está um azul smurfete, o mundo está azul, e Mark Zuckerberg acabou de passar pela minha janela vestido de Amon Rá azul. Algo me diz que ser cobaia do New York University não está com nada. Volto amanhã. De TAM!
tô tan-tan, presidenta, você não, né?
Cordialmente,
Dr. Luiz


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

carta aos residentes da primeira turma de Medicina de Família e Comunidade da Prefeitura do Rio

Rio, 1 de fevereiro de 2014

Já é.  D. Maria do Carmo foi atendida pelo menos uma vez por semana, ontem voltou novamente, a menina Yasmyn trouxe outra vez um TIG positivo, e Vitória, a da internação, sobreviveu e já teve dengue. Seu Romualdo recebeu alta da tuberculose, será que foi registrado no livro?
O grupo de gestantes vingou, a enfermeira tomou a frente, mas aquele outro de hipertensos e diabéticos... quem manda fazer grupo de hipertensos? Glorinha, da associação comunitária, mandou lembranças, o pastor também.
D. Conceição, que começamos a insulina, está morrendo de saudade de vocês, encheu os olhos d’ água, até a barraqueira Keylane deixou escapar um descontentamento, mas logo emendou: “mas a gente vai ficar sem médico até quando, hein? Olha lá!” Seu Orlando, aquele velhinho simpático, deixou-lhes presentes.  Aquela figura, D. Antonia, não voltou a fumar, entrou na dança de salão e está paquerando Seu Jorge, aquele quietinho, caladinho.
A ferida de Seu Gilberto fechou, mas continuamos sem dersane. Lembra a Stephanny, sua primeira paciente do DIU? Pediu para tirar, casou de novo, está morando longe. Já é.
Técnicos de enfermagem e ACS, cadê eles aqui?, mesmo depois das festinhas de despedida, não param de lastimar suas ausências, alertam todos os dias para escolhermos os próximos residentes que entrarão, como se pudéssemos. Claro que tem aquele e aquela que comemoram no seu íntimo discretamente, senão seria novela de Manoel Carlos. Longe disso, enquadramo-nos melhor num set com um enredo realista, beirando o naturalista.
Vocês são os filhos mais velhos, com todas as suas dores e delícias, sei como é porque também fui da primeira turma de uma residência, é como se a gente amadurecesse em acetileno, em panela de pressão, nossas lentes ficam mais grossas para enxergar as deficiências e as virtudes, sentimos um misto de sensação de cuidar da casa, mas também de quebrá-la por inteiro, atear fogo e gritar “sou Zé Pequeno, porra!”. No entanto, fico muito feliz que alguns se aventurarão na dificílima tarefa da preceptoria, na qual precisarão, além de se reinventar, alcançar os poderes de The Flash e do Multi-Homem dos Impossíveis, Hanna Barbera, lembram? Pois bem, vocês sairão de R2 para P1, era assim que o saudoso Armando nos chamava.
Por mais piegas que possa parecer, é verdade que fizemos história, aos trancos e barrancos, verdadeiros barrancos, tentamos melhorar a qualidade da assistência da atenção primária prestada no município. Digo uma coisa para vocês, não foi fácil para ninguém, nós, os P1s, também somos os filhos mais velhos, portanto também compartilhamos dos sentimentos do Zé Pequeno, além disso, trazemos nossos vícios de conduta médica e aprendemos muita coisa sem consultar previamente o livro para saber se era assim que se fazia. E tome Dynamed, Uptodate, Nice, AAFP, os bons capítulos do Tratado e do Duncan, além do próprio Duncan ambulante. E como dar conta disso com duas equipes, mais de quatro mil pessoas para cada uma, quatro residentes, negociações com gerentes e coordenadores? Tome natação, análise, alpinismo, bicicleta, guitarra, bateria, cerveja e violoncelo.
Apesar do Euract, dos cursos do pessoal do Conceição, das trocas de experiências com todo o grupo de Santa Catarina e Paraná, cada aula, espaço teórico era repensado. Como vamos avaliá-los? Antes disso, como reconhecer em cada um os potenciais e as deficiências? Como fazer um feedback com gentileza? Como cobrar uma mudança de atitude naquilo que se repete? Por que não estudaram? E por que eu não estudei? E vamos aprender PBI, como realizar a amada e odiada metodologia de aula do amigo de Armando. E mais PBI e as intermináveis aulas de revisões clínicas com Adelson. Enfim, se extrapolamos os limites da cobrança e da ansiedade, é porque estávamos realmente ansiosos.
Além de tudo isso e mais um pouco, a implantação da residência foi meio big bang dentro das Unidades, tendo como consequências cicatrizes que até hoje tem sempre um para espetar. Então o começo foi explosão, todos arremessados, tentando recolher os estilhaços ainda no ar. Agora, apesar de estarmos ainda num universo em expansão, tentamos navegar a Enterprise, mas daqui a um mês teremos outra batalha e se chama número 100.
O que teremos para amanhã? Coragem, podemos sim melhorar a cobertura, diminuir a quantidade de gente por equipe, pensar num melhor modelo público para APS, garantir espaços mais qualificados para as próprias pessoas atendidas refletirem e decidirem o que fazer para melhorar a demanda, a demora e a falta de esperança. Daqui a três anos, milhares de médicos recém-formados farão um novo tipo de residência, que se nós não ajudarmos a construir, a APS brasileira ficará muito chateada.
O SUS com 25 anos é um R1 que vai entrar agora na próxima turma, será nosso colega, então, por que não um “vem cá, SUS, vamos ali tomar uma cerveja”?
Corajosos filhos mais velhos, voai! Olho pra frente, o GPS? Esqueçam, quem faz o software somos nós, e precisa ser livre e compartilhado.
Beijos e abraços,
Alfredo de Oliveira Neto




domingo, 14 de julho de 2013

bom dilma


Uma carta sempre pode falhar ao seu destino.
(Jacques Derrida)
Mas mesmo assim precisa ser escrita.
(eu mesmo)
Bom dilma, presidenta!
Escrevo-lhe da sua, da minha, da nossa ciudad marabijosa, onde no meio do ano o sol do meio-dia esquenta lightmente nossas cabeçorras. 25 graus ao meio-dia. Sugiro à senhora adotar no seu vocabulário esta expressão que aprendi aqui: "Já é!" Nosso inverno é um verão stella artois.
Minha querida, fico muito feliz de estarmos juntos nesta segunda década do 21th Century Terra. Acho que agora de fato começou o milênio. Sabemos que, didaticamente, os historiadores contarão que a nova Era começou com as Torres Gêmeas em 2001. Porém, aqui pra nós, sabemos que começou na Tunísia, quem diria!, quando nossa querida WikiLeaks denunciou a cara de pau de um daqueles ditadores-avatares dos States. E assim, Primavera Árabe, Occupy e a Copa das Manifestações. Digo outra, fico também alegre de estar nesse barquinho após os 30. Se eu tivesse 15, 20, estaria perdido sem “atenção para a canção”. Depois de muita canção nos meus tímpanos coroa, me sinto, obviamente, perdido, porém curtindo muito estar meio vertiginoso na minha própria casinha. Lembra Leminsky? “Distraídos, venceremos!”.
Presidenta, tenho duas coisas para lhe contar hoje. Uma, precisarei lhe escrever essas cartinhas em máquina de escrever e enviar para os correios, cartinhas que lhe mando desde 2011 pelo electronic-mail – fiquei muito feliz em saber, como soube por fontes, que você as ler no alpendre da Alvorada numa cadeira de balanço portuguesa (só não entendi o ‘portuguesa’). Segunda coisa, como a senhora sabe, como lhe indicava no cabeçalho de um Bom Dilma antigo, sou “um médico de família de uma OS perto de você” e preciso muito e mais e mais lhe contar o que acho dessa transformação do facebook de médicos em ringue UFC. Pois , se fosse uma discussão mais robusta, seria um clássico ringue de boxe inglês. Uma luta muito mais elegante, não presidenta?
Por que máquina de escrever? Porque entrei ontem no movimento cypherpunks, a luta armada de bytes, digo, terabytes. Por favor, leia “Cypherpunks” do Julian Assange, editora Boitempo, aquela editora que a senhora adorava. Assange é o verdadeiro superman IV em 3D, você já o conhece e repito-lhe dizer que fiquei chateado de a senhora não o ter exilado no bairro de Vila Isabel para que pudéssemos nos esbarrar no boteco levando nossos laptops. Mudando o mundo num boteco de Vila Isabel, ouvindo Noel e falando inglês macarrônico com Superman seria explode coração. Soube que o Snowden recebeu 3 propostas de asilo na América Latina. Confesse, presidenta, Vila Isabel?

Bom, enquanto isso, Patriota e mais 4 hermanos chanceleres estão, espero eu, na vinícola Bouza nos arredores de Montevidéu, discutindo como dar um cascudinho nos States. Diga ao Patriota que ele pode dar um cascudo maior, Assange garante. Ele está tão feliz com o Equador e com tudo que está rolando por aqui, que vem dizendo aos quatro ventos que “América Latina is the Guy”. Eu e você concordamos. Agora, um aviso de amigo para você e seus colegas hermanos: não contrate empresas de segurança virtual, todas estão atreladas ao States, pois o software de criptografia é patenteado pelos yankees. O que vocês precisam fazer é nos contratar: cypherpunks. Fazemos de graça com um software livre que produzimos. Ademais, os States ou qualquer outra nação ainda não crackeou a gente. Então, vem! Nunca pensei que eu pudesse trabalhar para a senhora de graça, mas os o mundo gira, e rápido.

Por essas e outras, precisarei voltar à Olivetti. O governo russo já está planejando também. As digitadoras, dores e barulhos voltarão. Necessitaremos de curso em larga escala: as teclas do laptop são muito macias, precisaremos de calos nos dedos. Lembra Kill Bill quebrando a madeira do caixão? Por aí.
Claro que serei banido do Facebook e Google, não terei mais mastercard Smiles platinum. Viverei num mundo meio McFly em De volta para o Futuro. Sem celular, cartão, facebook, porém com um ultrabook olivetti que só daqui a algumas décadas será compartilhado nas redes sociais. Se vencermos, é claro. Em caso de derrota, essa jóia high tech vai ser vendida no shopping de São Conrado e traficada no Morro do Alemão pelo BOPE. Em contrapartida, por enquanto, não poderei usar emails. Enfim, a batalha tá aí, presidenta, e eu me alistei. Você iria adorar, não se precisa mais fazer aqueles treinamentos chatos de tiro na deserta praia do Recreio.
Falando em praia, medicina também é a minha, em que chego religiosamente em ponto durante a semana. Aprendi a ser pontual com o Che, que disse uma vez: "pontualidade o muerte". Aqui no Rio eu sofro, Che.
Serviço civil obrigatório para os egressos de universidades públicas e privadas, no caso de alunos subsidiados pelo governo público: palmas, palmas. Óbvio, o Brasil é um país capitalista do BRICS, não tem como não exigir uma pequena ajuda depois de custear por baixo 30 mil reais ao ano/estudante de medicina. Quando entrei na faculdade há 8 anos eu já achava isso lógico. Não dá para se formar depois de 6 anos em universidade pública, fazer uma residência de dermato e abrir uma clínica de dermato estética no Leblon. Isso é contra o Brasil. Agora, se você custeou sua graduação, aí tudo bem, pode fazer o que der na cachola, tendo agora que queimá-la estudando ainda mais, pois as vagas precisam ser reguladas pelo Estado, e vaga de dermato vai ter bem menos em relação às áreas básicas: medicina de família e comunidade (mfc), clínica médica, cirurgia geral, ginecologia/obstetrícia e pediatria. Quem gostou disso foi o medcurso... presidenta, medcurso? Seria mais um toma lá me dá cá do Partido Republicano?
Agora o meu “não curti, não curti”: os 2 anos do segundo ciclo, pós 6 anos, não pode hoje em dia ser uma coisa diferente de residência médica obrigatória. Agora, se será em mfc, ou se será metade das vagas em mfc,  e a outra metade nas áreas básicas, é um conta para o governo fazer considerando a população brasileira. Presidenta, não dá para dizer: “calma, calma, os recém formados e estrangeiros não vão operar, fazer neurocirurgia, vão para a atenção básica e emergência/urgência, SAMU”. Para mim, não tem especialidade médica mais fácil de se fazer nas coxas e mais difícil de se fazer bem feito como medicina de família e comunidade. São inúmeras habilidades e tecnologias que não são facilmente medidas no dia-a-dia, mas que no fechamento da conta pode dar um rombo no já precarizado SUS se for feita de má qualidade. Em relação a emergência/urgência/samu a mesma coisa, principalmente levando em conta que a maioria das ‘emergências’ são pronto-atendimentos (PA), e PA para nós, médicos de família e comunidade, já fazemos diariamente no posto. Não se esqueça do CTI/UTI, que junto à emergência e atenção primária à saúde (aps) são os 3 cenários em que a maioria dos médicos formados apenas com a graduação no bolso vão atuar Brasil afora. 
País com saúde forte é país com aps robusta, poderosa, malhada, sin perder la ternura. Veja Canadá, Inglaterra e Cuba. Eu sei que a senhora já sabe disso, que Lula e FHC idem. Todos vocês sabem que investir árduo em APS é mais vantajoso economicamente e sanitariamente para o país, mais vantajoso para satisfação dos cidadãos, portanto, me diga, para que o retrocesso nesse ponto crucial: alta qualidade da aps?
Esses 2 anos do segundo ciclo precisa ser uma residência médica, não dá para deixar frouxo: “a universidade que vai decidir” etc. Não: residência. A gente já sairia da graduação com uma especialização e depois correria atrás dos sonhos de cada um, já tendo uma boa bagagem com uma boa residência federal de boa qualidade. E digo mais: se fosse de boa qualidade aumentaria muito a chance de fixar os médicos como mfc.
Sobre os estrangeiros? Portugal já tem isso, possui um convênio com Honduras, Costa Rica e Cuba. Recebe sem “rrevalida” para áreas de vazio assistencial. Juridicamente, não daria para os estrangeiros agora fazer o revalida, pois a prova é ruim, e caso faça medcurso e passe, ele poderia montar uma clínica de dermato estética no Leblon (to malhando a dermato, perdão, colegas, saibam que gosto muito de dermato sanitária. Ah, sobre o Leblon, a livraria Argumento é fantástica).

Bom, presidenta, acho que o Brasil precisará gastar uma grana a mais para supervisionar de perto os gringos. Mesmo em caso de terem uma boa capacidade técnica e um bom entendimento de como se funciona o SUS e o Brasil, a tal da língua é bastante traidora no começo. Acho que os cubanos, que fazem o curso tradicional de Cuba, a melhor safra para essa missão. A ELAN, escola para a América Latina ainda tem muitas fissuras e o ensino é bem mais fraco. Fui a Cuba 2 vezes, eu sei que a senhora foi 108, mas já deu para perceber isso: os estudantes de medicina cubanos são mais cabeçudos.  Se brincar, a formação é melhor que a nossa.
Para finalizar a minha extensa epístola (tô animado hoje), quero lhe dizer que eu só acredito em aps forte com equipe multidisciplinar. Médico sozinho não faz verão, longe disso, nem um outono capenga. Então troque o +médicos para o +saúde e abra vagas para as outras profissões, também com residências e especializações de alta qualidade. Médico sem qualidade na aps revigora a tese de que o médico potencialmente pode fazer mal à saúde com iatrogenias clínicas, sociais e culturais. Recomendo Ivan Illich: “Limites para a medicina”, editora utopia, a qual a senhora conhece muito bem.
Sobre o ringue UFC entre médicos no facebook: Universidades de medicina, por favor, cometam uma redução de danos! pelo menos do UFC para o boxe: cobrem um pouquinho que seja de filosofia, sociologia e história para todos nós.

Presidenta, que tal aulas básicas de economia nos cursos de medicina ao se aposentar como presidenta? Uma coisa eu lhe digo, para a senhora passar no concurso com uma banca de médicos, só vindo comigo pro cypherpunks. Venha, você vai gostar.
Carinhosamente,
Dr. Luiz

terça-feira, 18 de junho de 2013

bom dilma

Uma carta sempre pode falhar ao seu destino.
(Jacques Derrida)
Mas mesmo assim ela precisa ser escrita.
(eu mesmo)

Bom dilma, presidenta.

Preciso muito saber qual é a sua turma. Ontem dia 17/06, no Rio, eu vi ao meu lado uma fauna de travar a Wikipédia com tantas espécies e referências: os que querem seu impeachment, os que sustentam a sua bandeira PT, os que querem a volta dos militares (“para acabar com a corrupção”), os que querem o fim da república e da democracia representativa, nazifascistas, anarquistas, existencialistas, neoliberais, comunistas e socialistas (de Fourier a Fidel), os que querem a legalização da maconha, a união civil gay, os evangélicos (de todos os costais), os contra a PEC37, EC29, os contra a FIFA e a Copa, os indigenistas, os contra os impostos, os agroindustriais (eu juro), a juventude católica, os do PV, PSTU, PCB, PSB e PCdoB, e os que, coitados, queriam apenas a revogação do aumento das passagens. Todos juntos na mesma avenida Rio Branco. Nem o Bola Preta reúne essa gente toda.
Apesar de que, presidenta, na sua época era o bloco de uma turma só, a do “abaixo à ditadura”, sinto lhe informar que não tenho inveja. Paulo Leminsky intitulou profeticamente num de seus livros de poesia da década de 80: “distraídos venceremos”, que se encaixa perfeitamente nesta geração que nasceu com a TV por assinatura e agora se esbalda a “perder tempo” na internet. Acho que todos os pais e mães aprenderam ontem que a criança precisa sim perder tempo, que a internet pode educar, fazer refletir e, sem dúvida, mobilizar. E que há muitos links bonitos, blogs encantadores e perfis do tweeter mais lindos e mais cheios de graça. E que por esses múltiplos interesses, a nossa passeata tem essa cara que a senhora viu e deve ter mastigado “tão bonitos, mas tão perdidos”.
É que a gente tem orgulho de admitir que estamos perdidos num planeta azul boiando em espirais em torno do sol, temos o orgulho de dizer “não sei”, tanto para deus, quanto para a ciência, para o “progresso” e para esse formato de república democrática representativa francesa que, pelo visto, anda tão atracada com interesses privados, que chega ao ponto de não nos representar mesmo quando conscientes apertamos o botão da urna. Presidenta, a nova civilização brasileira ontem acordou, curtiu e compartilhou.

No entanto, tenha a certeza de que tudo isso não aconteceria se não fosse o Movimento Passe Livre (MPL), que começou em 2005, em Floripa, na Revolta das Catracas. De lá para cá, eles formaram passeatas anuais em vários pontos do país, e, quando a rainha mídia filmava (perdão, mas a senhora mesma sabe que é apenas uma “primeira-ministra” no tabuleiro do war midiático), só editava as imagens de vandalismo e marginalidade. Editava, passado, agora somos capas dos jornalões, todos ao nosso favor, somos pop, anúncios de empresas e publicidades já devem estar prontos para garantir matérias ao nosso favor. Super novos tempos, não é presidenta? Tudo muito potente e muito frágil, o diamante numa sala de espelhos.
No entanto, mesmo os “distraídos” possuem um pé na terra de virgem e capricórnio. Serei agora o eco de tanta pluralidade: queremos a revogação imediata do aumento da passagem e um maior subsídio público no preço da tarifa. Los Hermanos (os vizinhos, não a banda) pagam mais de 60% de subsídio público, o Chile, mais de 50%, e nós apenas 12%, o que nos encarece enormemente a cada rodada de catraca. Depois, caso consigamos, aí vamos atrás de outras coisas, como o aniquilamento completo das máfias de transporte em cada município, limpa geral nas licitações e contratos melados de champanhe, sangue e uísque escocês.
Hoje mesmo o 488 Caxias Usina parou bem depois do ponto rumo ao trabalho e, na volta para casa, uma viatura da mesma empresa queimou a minha parada. Inda bem que a “minha parada” não era maconha, pois seria queimada em via pública.
Catraca, presidenta!, notou que a passeata dos 100 mil, onde estavam a senhora, Norma Bengell e outros 99.998, também foi no mês de junho? Dia 26, e o nosso 17. O que é que Gêmeos e Câncer tem a ver com isso? Provavelmente a faísca da facilidade de comunicação geminiana com o sentimento canceriano de que somos diferentes, porém, família, povo, nação, civilização.
Está me achando disperso? Lembre-se de Leminsky, presidenta, “distraídos venceremos”.
Qual é mesmo a sua turma?

Cordialmente,
Dr. Luiz




terça-feira, 19 de março de 2013

a mulher e o girassol

ela poderia andar numa laje da Vila Cruzeiro
numa miragem no deserto de Israel
prestes a cair num bueiro de uma avenida
beira-mar qualquer

poderia ser minha tia, uma querida
mesmo sem ser querida
ser a covardia de enganar
alguém com uma flor
ser a própria alegria
a cotovia daquele poema

ela deveria voar
alguns quilômetros de azul
ultrapassar o teto do dia-a-dia
sua flor virar ventilador
motor de lanche
turbina de ônibus espacial
qual o quê?

ela saiu do metrô abraçada à flor
passo a passo de cuidado
e a flor girassol acenou:
amarelou, amarelou

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

sur

no Prata sigo o leito
me derramo em ti
sol penetra foz
pintando céu
farol de nós
gira-luz da nossa história

estrelas nos salpicam
afora meteoros calados
se banham
sonham de lado

nosso sonho
sacramentado
embebido de tannat
se esparrama numa pedra de sol
como leão marinho
respeitando tempo

acordo a lua
invento o sol
inverto o sul
do nosso norte


Eu e Lu
Colonia del Sacramento
novembro 12 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

"em cada conto se aumenta um ponto" (Ruben Franca)

olhem o que descobri:

lendo o poema Teu Corpo Claro e Perfeito, do Bandeira http://cseabra.utopia.com.br/poesia/poesias/0612.html

fui procurar de onde vem esse "pomo doirado"

e, como tenho formação cristã na juventude, fiquei achando que o Colégio Santa Maria se esqueceu de me ensinar sobre mitologias, e o quanto que um elemento de mitologias pode ser deturpado à mercê do interesse.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pomo_de_ouro

Fiquei pensando, será que a mitologia de Eva e a maçã era a mesma antes de o Império Romano oficializar o cristianismo?