Uma carta sempre pode falhar ao seu destino.
(Jacques Derrida)
Mas mesmo assim precisa ser escrita.
(eu mesmo)
Desde julho que não lhe mando cartas, como frisei
havia aderido aos Cypherpunks do Assange e Snowden. Tive que sair do Face, do
Google e cancelar meu Smiles platinum. Havia voltado, inclusive, ao stupid
phone. No entanto, descobri pelo DSM V, o mais novo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, que sofro de IAD, Internet Addiction
Disorder, e, obviamente, de muita saudade de me comunicar com a senhora.
Consegui um afastamento da Clínica da Família no Rio,
onde trabalho como médico, devido à enfermidade. Estava impraticável. Quando
chegava próximo ao acolhimento para falar com um agente comunitário de saúde,
no meio daquele oceano de gente, a tela do seu computador emitia as ondas azuis
do Face, hipnotizava-me por alguns minutos e não conseguia desgrudar o olho até
o agente correr toda a extensão da sua timeline. Podiam gritar “ô, doutor!” a
tarde inteira que eu não saía do transe azul. Às vezes – confessarei só para a
senhora – quando a geladeira da família dinossauro se abria, ou seja, quando o
bicho comia na demanda espontânea, eu fingia uma enorme necessidade de banheiro
e corria para a sala dos agentes. O bar dos bêbados, o pico do surfista, o
banquete dos diabéticos, para mim, com IAD, a sala do paraíso. Todos os 10, 15
computadores abertos no Face. Numa dessas, a gerente me achou e perguntou se eu
iria demorar para voltar ao atendimento, respondi: “curto, mas não comento”.
Recebi a licença no mesmo dia e descobri que na New York University possui um
grupo de pesquisa testando drogas para esse tipo de transtorno.
O que fiz? Vim para Lower East Side passar o fim de
ano e me servir de cobaia. Há males que vem de trem, no meu caso vim de TAM,
poltrona sardinha e atendimento carioca, ou seja, “por favor... Já foi.”
Todavia, me diga, como estavam as coisas aí na Bahia no reveillon? Calor? Aqui está
menos 3, umidade 50% e parcialmente nublado. O Abominável Homem das Neves
passou por aqui, destruiu tudo de branco. Enquanto aí feministas fazem
toplessaço, se eu fosse a senhora lá na base naval de Aratu faria um roupaçasso,
pois topless é coisa de patricinha. Daria dia de folga para os seguranças, e
paf! Roupaçasso presidencial. Soube que a senhora anda lendo Getúlio, do Lira
Neto, mas lhe aconselho fortemente a trocá-lo pelo clássico 1984, do George
Orwell. A senhora vai ficar mais orgulhosa do Itamaraty ter cancelado sua vinda
para cá em outubro passado. Sei que a senhora não leu quando jovem, pois se
tratava de uma literatura pelega. Quem diria?! O Estado totalitário que Orwell
pintou sob o comando do Partido Interno não é de esquerda, longe disso, o seu
aspecto materializou-se no país mais pelego do planeta, Here! O pior é que a
diferença com a realidade atual ainda é mais absurda. Na ficção, a teletela é o
olho do Estado nas vidas privadas dos cidadãos, sendo que é chata, com conteúdo
e design patriota e careta, e agora temos a internet e o seu admirável novo
mundo, e é justamente por essa beleza que somos fisgados, justamente por essa
isca de sociabilidade, compartilhamento e rapidez na troca de informações. Para
eles hoje em dia é mole, presidenta, só jogar a isca azul. Eu tentei,
presidenta, juro que tentei, mas o DSM V foi maior que eu. Não sei se Winston,
o protagonista do livro, também conseguiria resistir ao Face, a senhora eu
tenho certeza, quem aguenta Sarney, Maluf e Renan, possui nervos de aço
inoxidável, mas aí seria outra ficção, estilo Robocop.
Já que a senhora não veio a Nova Iorque, pintarei um
pouco da cidade. Se Descartes, tivesse vivido por aqui diria: “Consumo, logo
existo.” Se você tiver um dinheiro, ouvirá “enjoy!” em restaurantes, caso não
tenha, plante talento e vá tocar no metro ou fazer teatro de rua. Ninguém ali
está de bobeira, asiáticos, americanos, africanos e europeus estão ali para
serem “the king of the Hill, the top of the heap”, como diz a canção. E aí
chama o Tim Maia, porque vale tudo, principalmente homem com homem e mulher com
mulher. Do Central Park para baixo tudo é prafrentex. Não é por acaso que
cineastas gostam de filmar por aqui, economizam dinheiro com figurante e
figurinista, sair na rua sem acessórios é praticamente ilegal. Gravatas
borboleta, chapéus, suspensório, óculos, jaquetas, além de tatoos, cabeleiras,
piercing, e todas as roupas da vogue. A senhora poderia inaugurar o transado
vestido que comprou na África do Sul durante o funeral de Mandela, ou bancar um
roupaçasso no Great Lawn do Central Park, seria mais uma latinoamericana
exotic, pero sin perder la ternura jamás. Por aqui a senhora é um equilíbrio
entre Chavez e Mujica, gosta de Cuba, mas é pop, porém nada de propaganda gay
anti-aids que ofenda a bancada evangélica, muito menos legalização da erva de
Feliciano, quer dizer, do diabo. A senhora, presidenta, aqui em Manhattan é uma
estampa de Che pintada por Warhol.
Falando em artista, ontem eu estava no Met, o
Metropolitan, o que é aquilo, né? A propaganda revela o que representa: “One MET, Many
Worlds”. Bonito, né? Apesar de todos saberem que é “Many (robbed) Worlds”.
Para entrar, você escolhe o preço que quer pagar, dei 1 dólar. O atendente
falou que estava fazendo uma pesquisa e queria saber de onde eu era, fez uma
chinfra, achando que eu iria me envergonhar, finquei firme o pensamento na
senhora e falei com um riso escondido no canto da boca: “Brazil, with proud.”
Uma maquete encontrada no Egito há mais de 3 mil anos,
em ótimo estado, mostrava o óbvio: a humanidade, desde o Egito, sempre comeu
pão, escreveu e tomou cerveja. Pois bem, no meio dessa constatação de Amon-Rá,
quem encontro ao meu lado? Joaquim Barboza de capuz vermelho, tinha vindo de
Paris só para revisitar o Met. Enquanto ele ultrapassava o Templo de Dendur,
juro que vi a deusa Osiris lhe oferecer uma taça, de onde saíram hieróglifos
esfumaçantes, os quais pela ondulação, fundiram-se em letras latinas, talvez
pelo fato do Templo ter sido construído pelos romanos, mas o que interessa é
que consegui ler: “Fecit illud in Lula”.
Tive que sair do museu e me embrenhar no Central Park,
quase cometi um roupaçasso em pleno inverno cruel de tanto atordoamento.
Precisava de um Starbucks para poder entrar no Google Tradutor, que diachos de
sinal era aquele transmitido de Osiris diretamente para Joaquim?
Depois de rodopiar por gramas brancas, caí no West
Side e entrei no Zabar`s, um restaurante judeu. Pedi a senha do Wi-Fi, teria
que consumir algo, claro. Enquanto devorava um cookie kosher, copiei a frase
que li, 2 L em illud, 2 L em illud, vinha repetindo sobre as gramas brancas.
Puf!: “Ele fez isso pelo Lula”. Oxalá, Osíris! Presidenta, a senhora acredita
nisso? Acredita em algo?
Peguei um metrô, óbvio que errei a linha, eu precisava
de um Face, comecei a sofrer abstinência, não queria ligar para o meu
pesquisador psiquiatra. Invadi o Jules, bar de jazz na St Mark Place, a rua dos
beatniks e de tudo mais um pouco, entornei uma dose do uísque mais barato e,
como não tinha um rolo de telex e uma máquina de escrever, assumi o contrabaixo
do set que iria começar em pouco tempo. O instrumento estava obviamente
desplugado, mas os gatos pingados que estavam ali ouviram um brasileiro em
abstinência de IAD cantando “Lula Lá” em ritmo de jazz, e com scats. Eu não
estava bem, presidenta.
Agora, mais calmo, após alguns tablets e divãs, acesso
a GloboNews e percebo que Orwell realmente é um profeta, Caio não jogou o rojão
e é evidente que possui ligação com Freixo desde que nasceu. A questão é: por que
ele assumiu o crime? Quem está por trás disso? Quem quer garantir a paz do
apito nos gramados da Copa? Como será essa peleja? Justiceiros no ataque, a
milícia na defesa, e o Cabral de helicóptero filmando tudo? Paes, é claro, como
cobrador de ônibus para garantir a tarifa. Quem editará as imagens que Santiago
gravou? Vejo tudo azul, presidenta, a neve azul, o prédio azul, a senhora
própria está um azul smurfete, o mundo está azul, e Mark Zuckerberg acabou de
passar pela minha janela vestido de Amon Rá azul. Algo me diz que ser cobaia do
New York University não está com nada. Volto amanhã. De TAM!
tô tan-tan, presidenta, você não, né?
Cordialmente,
Dr. Luiz