Uma carta sempre pode falhar ao seu destino.
(Jacques Derrida)
Mas mesmo assim ela precisa ser escrita.
(eu mesmo)
Bom dilma, presidenta.
Preciso muito saber qual é a sua turma. Ontem
dia 17/06, no Rio, eu vi ao meu lado uma fauna de travar a Wikipédia com tantas
espécies e referências: os que querem seu impeachment, os que sustentam a sua
bandeira PT, os que querem a volta dos militares (“para acabar com a corrupção”),
os que querem o fim da república e da democracia representativa, nazifascistas,
anarquistas, existencialistas, neoliberais, comunistas e socialistas (de
Fourier a Fidel), os que querem a legalização da maconha, a união civil gay, os
evangélicos (de todos os costais), os contra a PEC37, EC29, os contra a FIFA e
a Copa, os indigenistas, os contra os impostos, os agroindustriais (eu juro), a
juventude católica, os do PV, PSTU, PCB, PSB e PCdoB, e os que, coitados,
queriam apenas a revogação do aumento das passagens. Todos juntos na mesma
avenida Rio Branco. Nem o Bola Preta reúne essa gente toda.
Apesar de que, presidenta, na sua época
era o bloco de uma turma só, a do “abaixo à ditadura”, sinto lhe informar que
não tenho inveja. Paulo Leminsky intitulou profeticamente num de seus livros de
poesia da década de 80: “distraídos venceremos”, que se encaixa perfeitamente
nesta geração que nasceu com a TV por assinatura e agora se esbalda a “perder
tempo” na internet. Acho que todos os pais e mães aprenderam ontem que a
criança precisa sim perder tempo, que a internet pode educar, fazer refletir e,
sem dúvida, mobilizar. E que há muitos links bonitos, blogs encantadores e
perfis do tweeter mais lindos e mais cheios de graça. E que por esses múltiplos
interesses, a nossa passeata tem essa cara que a senhora viu e deve ter
mastigado “tão bonitos, mas tão perdidos”.
É que a gente tem orgulho de admitir que
estamos perdidos num planeta azul boiando em espirais em torno do sol, temos o
orgulho de dizer “não sei”, tanto para deus, quanto para a ciência, para o “progresso”
e para esse formato de república democrática representativa francesa que, pelo
visto, anda tão atracada com interesses privados, que chega ao ponto de não nos
representar mesmo quando conscientes apertamos o botão da urna. Presidenta, a nova
civilização brasileira ontem acordou, curtiu e compartilhou.
No entanto, tenha a certeza de que tudo
isso não aconteceria se não fosse o Movimento Passe Livre (MPL), que começou em
2005, em Floripa, na Revolta das Catracas. De lá para cá, eles formaram
passeatas anuais em vários pontos do país, e, quando a rainha mídia filmava
(perdão, mas a senhora mesma sabe que é apenas uma “primeira-ministra” no
tabuleiro do war midiático), só editava as imagens de vandalismo e
marginalidade. Editava, passado, agora somos capas dos jornalões, todos ao
nosso favor, somos pop, anúncios de empresas e publicidades já devem estar
prontos para garantir matérias ao nosso favor. Super novos tempos, não é
presidenta? Tudo muito potente e muito frágil, o diamante numa sala de
espelhos.
No entanto, mesmo os “distraídos” possuem
um pé na terra de virgem e capricórnio. Serei
agora o eco de tanta pluralidade: queremos a revogação imediata do aumento da
passagem e um maior subsídio público no preço da tarifa. Los Hermanos (os
vizinhos, não a banda) pagam mais de 60% de subsídio público, o Chile, mais de
50%, e nós apenas 12%, o que nos encarece enormemente a cada rodada de catraca.
Depois, caso consigamos, aí vamos atrás de outras coisas, como o aniquilamento
completo das máfias de transporte em cada município, limpa geral nas licitações
e contratos melados de champanhe, sangue e uísque escocês.
Hoje mesmo o 488 Caxias Usina parou bem
depois do ponto rumo ao trabalho e, na volta para casa, uma viatura da mesma
empresa queimou a minha parada. Inda bem que a “minha parada” não era maconha,
pois seria queimada em via pública.
Catraca, presidenta!, notou que a passeata
dos 100 mil, onde estavam a senhora, Norma Bengell e outros 99.998, também foi
no mês de junho? Dia 26, e o nosso 17. O que é que Gêmeos e Câncer tem a ver
com isso? Provavelmente a faísca da facilidade de comunicação geminiana com o
sentimento canceriano de que somos diferentes, porém, família, povo, nação,
civilização.
Está me achando disperso? Lembre-se de Leminsky,
presidenta, “distraídos venceremos”.
Qual é mesmo a sua turma?
Cordialmente,
Dr. Luiz