Na última terça, 18, fui tocar com o Harmonia Enlouquece (para quem ainda não conhece harmoniaenlouquece.com.br) na cosmopolita Cinelândia. Palco de madeira nem tão espaçoso, mas com uma localização generosíssima: por detrás o recém-re-inaugurado Theatro Municipal, deslumbrante, tinindo, águia mais dourada que nunca.
Não sei se é boato, mas alguns vereadores ali ao lado, na Câmara, cogitaram fundir algumas gramas, através de amplas gorjetas para o pessoal da manutenção do teatro subir à cúpula e raspar com espátulas as graminhas de ouro. O intuito seria evitar muitas flutuações nos investimentos parlamentares durante a quebradeira grega. Com a insegurança pairando, todos se voltaram para o nobre metal, velha história do filho treloso: papai-Estado, mamãe-Ouro.
À hora de minha chegada, em vez de vereador, faixas sobre aposentadorias, Petrobrás e reajustes salariais decoravam as escadas do legislativo municipal. Na praça, samba, fantasia, mãos dadas, um colorido. 18 de maio é o dia internacional da luta antimanicomial, o nome da festa era “Festa do Orgulho Louco – Intervenção Cultural”. A farra já havia se estabelecido e eu com cara de bobo feliz, vindo do trabalho, saquei minha modesta Sony Cyber-shot DSC-S730 e me dei a filmar para todos os lados.
Ando captando cenas para serem aproveitadas no making off do DVD do nosso terceiro disco “Mudânica Superativa”, que deverá ser gravado ainda neste segundo semestre. Já tenho alguns gigabytes em mãos, sendo que, paralelo a isso, acabei sendo infectado por uma nova obsessão: filmar bobagens. Dia desses estava resolvendo coisas chatas no Centro do Rio e fui me dar de presente um passeio no Campo de Santana. Em poucos passos para além do portão, o deslumbre já havia pousado sobre a minha cabeça: uma porção de pequeninos mamíferos rechonchudos e marrons se espalhavam tanto pela pista de cooper quanto por dentro da mata sem nenhum medo dos meus passos. Primeira e única vez nesse parque, novamente me sentindo turista na cidade onde moro há dois anos, dois meses e oito dias. As centenárvores, pedras molhadas da Mata Atlântica, o verde-escuro, um clima de potência, sabedoria, divindades.
Infelizmente mal-cuidado, mas não quero falar de coisas chatas. Quando... no agito dos trabalhadores, que atalham caminho pelo parque, no sentido do Saara, a meca do camelô carioca, os gansos (falei gansos, sem Neymar). Todos conversando (qüê, qüá), tomando café da manhã num pedaço de verde e aproveitando o morno sol da manhãzinha. Saquei a câmera com tanta volúpia que alguns estranharam, todavia interessante que nenhum Neymar, que dizer, ganso desconfiara da massa de gente falante, que rumava ao Saara.
Pensei num plano: vou fingir que sou camelô e virei andando dali da frente com a câmera ligada. Deu certo: me camuflei de camelô e quando parei para apreciar melhor o quadro que parecia ter sido pintado por Manet, fingi estar olhando para o outro lado. Talvez ganhe o Nobel da Paz: uma cena bucólica de uma família de gansos na faixa de Gaza entre a Central do Brasil e o Saara.
Mas como é útil o gênero crônica para os mais dispersos... recomendo fortemente...
18 de maio nossa banda era a penúltima a tocar. O gran finale estava reservado para as Chicas. Confesso que até então já havia lido anúncio de show dessas meninas, cheguei até a confundir: “deve ser aquela banda de mulheres que cantam Chico e que pode ter mudado de nome...”. Após o nosso show, fiquei para ver qual era. Qual era, não: qual é.
No segundo número já estava decara. Uma atitude e um respeito ao palco que há muito não via em bandas da minha geração, um cuidado, uma beleza, uma felicidade. Bateu. Ah como é bom conhecer uma coisa nova que bate, bum, naquele instante... E nem é tão nova assim, as Chicas parecem estar juntas desde 1996.
São 4 lindas mulheres, digo lindas porque, além de tudo isso, não possuem a busca pela silhueta sagrada das passarelas, assumem-se como são e ficam fantásticas
As Chicas tocam, ao passar das canções, vários instrumentos – percussivos, de sopro, cordas, sanfonas. Além de todas também cantarem. Geralmente, por essa versatilidade e pelos arranjos bem cuidados, enfim, pela complexidade de detalhes, esperava que alguma das 4 fosse um pouco mais fraca no vocal. Bobinho... cada uma dali poderia ser cantora crooner e bastava. Abrilhantava outro fato: existe uma concepção cênica do espetáculo, um cuidado com a interpretação, outro fato raro.
Tocam Caetano (“Divino Maravilhoso”, “O quereres”), Gonzaguinha (“Geraldinos e Arquibaldos”, “Moleque”), Moraes Moreira (“Lindo Balão Azul”, do especial da Globo, “Pirlimpimpim”, que fez muito a minha cabeça aos 4 anos), Accioly Neto (“Espumas ao Vento”), Mc Bob Rum (“Rap do Silva”) e várias canções do próprio punho (“Tá na Cara” é bárbara). Confiram vídeos: http://letras.terra.com.br/chicas/.
Quando o show terminou, não me contive, confesso que chego até a pensar nesse momento, posso parecer chato e tal, mas quando bum-bate é mais forte: dei um papelzinho a uma delas prometendo que iria escrever uma crônica. Cheguei a conversar com o percussionista, ele usa uma técnica que eu ainda não conhecia: enquanto está na caixa, chimbal e pratos, usa uma alfaia como bumbo. Gente boa, falou ter conhecido bem o interior de Pernambuco quando por lá se embrenhou com uma trupe de teatro de rua.
Pronto, promessa cumprida. Boa viagem a todos.
Obs: postarei 2 vídeos (o meu com o Neymar) e outro da Baby como Emília e o Moraes Moreira como Visconde no Pirlimpimpim. Agora me caiu a ficha do porquê minha festinha temática dos 5 anos foi o Sítio...